O mercado da Cannabis é para quem acredita
Por Caroline Heinz
Apesar da decisão cautelosa da Anvisa, finalmente o Brasil deu seu primeiro grande passo em direção ao amplo acesso aos medicamentos à base de Cannabis. Com a liberação para a venda de CBD em farmácias brasileiras, encurtamos a epopeia de pacientes e famílias que chegavam a aguardar até três meses por uma autorização do órgão. O novo cenário é um alívio para a população que depende dessa solução para tratar doenças graves como o Mal de Parkinson, Alzheimer, epilepsia ou autismo. A autorização para a comercialização em drogarias e a flexibilização dos registros ainda abre as portas para que outros processos possam ser realizados no País, como o envase do produto. Com o dólar no patamar atual, trazer etapas da produção para o Brasil deve derrubar os preços para um quarto do valor atual, tornando o CBD mais acessível para a população mais carente.
Para além do evidente benefício à população, os números do potencial de crescimento desse mercado no País são muito animadores. Segundo dados das empresas de pesquisas New Frontier e Green Hub, o setor deve movimentar até R﹩ 4,7 bilhões, o equivalente a 6,5% do faturamento total da indústria farmacêutica brasileira. Se traçarmos estimativas com base na experiência de países e estados onde já existe a comercialização dos canabinóides, a geração de empregos será outro campo impulsionado. Na Flórida, por exemplo, até o final de 2019, o setor terá sido responsável por criar 15 mil novas vagas de trabalho desde a regulamentação.
Para que esse mercado alcance todo seu potencial no Brasil, no entanto, há ainda alguns obstáculos. O pior deles: a desinformação. O País tem 450 mil médicos e apenas 1.100 deles prescrevem medicamentos à base de cannabis. Um número ínfimo se comparado aos 4 milhões de brasileiros que podem ser beneficiados por esse tratamento. A sensibilização desses profissionais passa por treinamento e pela participação da comunidade médica no debate sobre o uso medicinal da Cannabis, frente na qual a Hemp Meds Brasil tem atuado nos últimos anos.
Esse cenário deve mudar, também, pelo crescimento da demanda. Mesmo com a burocracia anterior à decisão da Anvisa, em 2019, alcançamos a marca de 78 mil unidades de produtos farmacêuticos com CBD comercializados. Grande parte deles adquiridos pelo próprio SUS (Sistema Único de Saúde), que os fornece à pacientes sem condições de pagar pelos produtos, mediante decisão judicial. O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já afirmou que a Pasta deve avaliar a inclusão do canabidiol nos tratamentos do SUS. O mesmo ministro, no entanto, é contrário à regulamentação do plantio, um dos grandes entraves para que o mercado deslanche e para que a população tenha, de fato, acesso amplo e democrático a esses tratamentos.
O expediente das fake news, aliás, é uma das armas dos setores mais conservadores do governo, contrários à pauta. O crítico mais ferrenho é Osmar Terra, ministro da Cidadania, que utiliza a bandeira da política antidrogas para defender a manutenção da proibição do plantio da Cannabis ou mesmo do Cânhamo. A confusão entre temas extremamente distintos – uso recreativo ou medicinal – fomenta o preconceito, que prejudica não só o desenvolvimento do setor e o andamento da regulamentação, mas afeta também a vida de milhares de famílias que viram sintomas diminuírem e crises cessarem após o uso do CBD. Não há justificativa plausível para negar alívio à essas dores. Por isso, combater a intolerância
sobre o tema e não permitir que políticos usem o debate de forma equivocada como palanque, além de estimular os órgãos competentes a discutir de forma séria e sustentada em pesquisas o uso de remédios com derivados da Cannabis sempre será uma de nossas missões.
O mercado brasileiro atrai olhares do mundo todo, pela densidade populacional, a pujança de terras férteis para o plantio e pelas estimativas de milhões de possíveis novos pacientes com doenças para as quais os derivados da Cannabis são indicados. Temos orgulho de sermos pioneiros neste mercado. A Hemp Meds Brasil foi a primeira empresa a receber autorização da Anvisa para importar medicamentos e fornecê-los a pacientes do SUS, em 2013. Nos últimos seis anos, ignoramos os movimentos de outros players, que descrentes da viabilidade da regulamentação em um cenário conservador optaram por deixar o País. Escolhemos ficar e fortalecer a batalha deste novo setor da economia, estimulando o debate qualificado sobre a utilização medicinal da Cannabis e apoiando a luta de milhares de famílias que viram o salto delta na qualidade de vida de filhos com doenças graves como epilepsia refratária. Esperávamos por essa flexibilização que coloca o Brasil na vanguarda do mundo entre as nações com legislações semelhantes. Até por isso, a organização se manteve ativa no mercado brasileiro, importando os medicamentos fabricados nos Estados Unidos para cerca de 2,5 mil pacientes que dependem da solução da empresa.
O Brasil foi precursor no campo das pesquisas sobre o uso do canabidiol, que desde 1970, por meio do trabalho do cientista Esvaldo Carlini, mostrou seu poder anti-convulsivante e terapêutico. De lá para cá, até a regulamentação da venda em farmácias, divulgada pela Anvisa em 3 de dezembro de 2019, passaram-se 49 anos. Não podemos tolerar que mais tempo se esvaia sem o avanço desta pauta, tão importante para a revolução da medicina e para pessoas como o Guilherme, que tratava de uma epilepsia de difícil controle desde os primeiros meses de vida e chegou a ter 60 convulsões em um dia. Hoje, aos 20 anos, Guilherme usa medicamentos canabinóides que tornaram as crises extremamente raras. Casos como este são a maior prova de precisamos superar o preconceito e lutar juntos pelo direito à saúde e à vida.