O futuro do tratamento de cânceres ginecológicos e urológicos
Por Fernando Maluf
Nos últimos anos, a oncologia apresentou importantes progressos no tratamento dos tumores ginecológicos e urológicos. Eventos realizados recentemente em São Paulo – como o XI Simpósio Multidisciplinar de Ginecologia Oncológica e o XVI Congresso Internacional de Uro-Oncologia –, com o apoio do Hospital Israelita Albert Einstein, destacaram transformações que impulsionam uma nova abordagem no diagnóstico e no cuidado terapêutico nessas especialidades. Como coordenador científico desses congressos, tive o privilégio de acompanhar discussões que moldarão o futuro da oncologia. A seguir, apresento uma análise dos principais pontos debatidos.
Ginecologia oncológica: personalização, hereditariedade e preservação
No campo do diagnóstico, a biópsia líquida se consolida como uma ferramenta inovadora. Por meio da detecção de DNA tumoral circulante no sangue, permite-se o monitoramento contínuo da doença de maneira minimamente invasiva, o que facilita a identificação precoce de recaídas e resistência terapêutica. Somado a isso, o perfil genômico do tumor – obtido por sequenciamento de nova geração – guia decisões clínicas com maior precisão, o que favorece a aplicação de terapias-alvo personalizadas. Porém o maior ganho da biópsia líquida será em identificar homens e mulheres operados de um câncer e que podem estar curados da doença com grande grau certeza e que não precisarão de nenhum tratamento adicional. Isso poupará milhões de pacientes de tratamentos preventivos desnecessários que são feitos baseados em uma probabilidade de ter “algo a mais”, porém sem ter a certeza deste achado.
Outro eixo essencial é o reconhecimento da hereditariedade no câncer de ovário, com destaque para o aconselhamento genético. Mulheres portadoras de mutações em genes como BRCA apresentam risco aumentado para tumores de ovário e mama. A triagem genética dessas pacientes, aliada ao estudo do histórico familiar, viabiliza intervenções preventivas, como a retirada dos ovários e útero profilática, retirada das mamas profilática, além da vigilância intensiva com exames mais frequentes e detalhados, contribuindo para a redução da mortalidade associada.
Simultaneamente, a preservação da fertilidade ganha espaço como prioridade no tratamento de pacientes oncológicas em idade reprodutiva. Técnicas como criopreservação de óvulos ou embriões antes da quimioterapia, cirurgias conservadoras (quando oncologicamente seguras), uso de protocolos menos gonadotóxicos e o acompanhamento multidisciplinar têm possibilitado a manutenção da função ovariana. Essa preocupação traduz o amadurecimento do cuidado oncológico, que considera não apenas a sobrevida, mas também a qualidade de vida e os projetos pessoais das pacientes.
Uro-oncologia: inovação terapêutica e tecnológica
Na uro-oncologia, vivemos uma transformação impulsionada tanto por novos agentes terapêuticos quanto por tecnologias de precisão. Em tumores como o câncer de próstata metastático, terapias hormonais de nova geração, inibidores de PARP que vitam que o tumor se reconstitua, e radiofármacos (medicamentos que levam ao tumor doses letais de radiação), representam alternativas promissoras, especialmente em casos com alterações genéticas específicas. No câncer de bexiga e rim, a incorporação das imunoterapias, como os inibidores de checkpoint imunológico, já é realidade, beneficiando pacientes e contribuindo para aumento da sobrevida.
Em paralelo, as técnicas cirúrgicas minimamente invasivas – como a laparoscopia e a robótica – e novas modalidades de radioterapia guiada por imagem promovem ganhos significativos na recuperação funcional, redução de efeitos colaterais e preservação da qualidade de vida.Além disso tratamentos de tumores renais sem cirurgia oferecendo doses letais de calor ou frio as lesões malignas.
Inteligência artificial e robótica na prática clínica
A inteligência artificial (IA) e a cirurgia robótica deixaram de ser promessas futuristas e se consolidaram como aliadas na prática uro-oncológica contemporânea.
A IA tem sido empregada para análise de imagens radiológicas e lâminas histopatológicas, aumentando a acurácia diagnóstica, além de apoiar decisões clínicas de forma ágil e personalizada.
Já a cirurgia robótica proporciona maior precisão, menor sangramento, redução da dor pós-operatória e melhor preservação de funções como a continência urinária e a potência sexual, especialmente nas prostatectomias. Esses avanços reforçam a tendência de um cuidado cada vez mais seguro, tecnológico e centrado no paciente.
Medicina personalizada como eixo estruturante
Todos os avanços relatados convergem para um princípio central: a medicina personalizada. Ao integrar o perfil genético do tumor, os objetivos individuais do paciente e as ferramentas tecnológicas mais modernas, estamos desenhando tratamentos sob medida. Essa abordagem, aliada ao trabalho multidisciplinar, aumenta as chances de sucesso terapêutico e preserva aquilo que mais importa: a dignidade e a qualidade de vida.
Como médicos, temos o dever de transformar conhecimento em cuidado concreto. E é com entusiasmo que acompanhamos esta nova era da oncologia, onde ciência, inovação e humanização caminham juntas, rumo a desfechos cada vez melhores.
*Fernando Maluf é oncologista, membro do Comitê Gestor do Einstein e cofundador do Instituto Vencer o Câncer.