Diagnóstico de câncer colorretal cai 50% durante a pandemia
Neste mês completa-se um ano que o Brasil registrou o seu primeiro caso de Covid-19. A pandemia ainda não acabou, mas acredita-se que influenciará os resultados oncológicos como consequência de apresentação tardia e dificuldade em fornecer investigação diagnóstica e tratamento, já que muitos hospitais estão sobrecarregados com o cuidado a pacientes contaminados pelo novo coronavírus. Dados precisos sobre o impacto da pandemia na sobrevivência do paciente oncológico não estarão disponíveis em curto prazo, mas medir o efeito da pandemia nos serviços agora pode ajudar a prever prováveis resultados.
No A.C.Camargo Cancer Center, hospital de diagnóstico, tratamento e reabilitação de pacientes com câncer, entre o dia 1º de março e 31 de julho de 2019, foram admitidos 108 pacientes com câncer colorretal e anal recém-diagnosticados. No mesmo período de 2020, este número caiu para 58, o que compreende uma redução de 46,3%.
“A Instituição não suspendeu novas consultas para pacientes com câncer confirmado. Então, essa diminuição pode ser explicada pela dificuldade em realizar a colonoscopia, exame que diagnostica o câncer colorretal, e pelo medo que pacientes têm de serem submetidos à uma investigação hospitalar durante a pandemia”, conta o cirurgião oncologista e head do Centro de Referência em Tumores Colorretais e Sarcoma do A.C.Camargo Cancer Center, Samuel Aguiar Junior.
Segundo o médico, outra razão para a diminuição de novos diagnósticos de câncer é o colapso dos sistemas de saúde, especialmente aqueles realizados com financiamento público. “Este efeito pode ser demonstrado indiretamente pela diminuição do encaminhamento de pacientes do Sistema Único de Saúde para o A.C.Camargo. Em 2019, tivemos 21% de pacientes encaminhados pelos SUS para o tratamento de câncer colorretal. Já em 2020, este número caiu para 14%”.
Outro dado preocupante revelado pelo estudo do A.C.Camargo Cancer Center é o aumento da proporção de pacientes sem qualquer cobertura, de 12,4% para 22%. Este subconjunto de pacientes reflete a perda de cobertura de seguro, devido à uma diminuição na renda familiar e às barreiras para acessar o superlotado sistema público de saúde brasileiro.
“Estes pacientes costumam procurar hospitais privados para obter acesso ao diagnóstico e tratamento, mas acabam indo para o já congestionado SUS, uma vez que não podem pagar pelo tratamento integral no setor privado”, completa Samuel. Este efeito pode estar implícito no aumento da proporção de pacientes que buscaram o setor privado para uma ou duas consultas e não continuam o tratamento. Em 2019, estes pacientes representavam 18,5%. No ano passado foram 28%.
Os dados mostram indiretamente a migração de pessoas de níveis de renda intermediários para baixos, devido a pandemia. Como consequência de todas essas barreiras, houve uma piora no estágio clínico dos pacientes, especialmente para tumores localmente avançados. “Diagnóstico tardio e, eventualmente, os maus resultados do câncer durante a pandemia devem ser reconhecidos e tratados por provedores de políticas de saúde. Agora, enfrentando uma segunda onda da pandemia, serão necessários esforços contínuos dos sistemas de saúde público e privado em todo o mundo para fornecer cuidados oncológicos eficazes para todos os pacientes com câncer”, finaliza o médico do A.C.Camargo, dizendo também que “os números atuais da pandemia dão um alerta para mais uma barreira para tratamento de pacientes com câncer: hospitais públicos e privados lotados com pacientes com Covid-19. O respeito às medidas sanitárias (distanciamento, uso de máscara e higienização das mãos) são cruciais para evitar que esse cenário se agrave, antes que vacinação em massa da população comece a mostrar resultados”.