Judicialização: o céu não é o limite na saúde suplementar

Por Joé Sestello

Com a regulamentação do mercado de saúde suplementar, em 1998, por meio da promulgação da Lei º 9.656, o profissional atuário passou a exercer um papel essencial para a sustentabilidade do segmento, haja vista a necessidade, a partir daquele momento, de conceber decisões pautadas sob a ótica dos riscos envolvidos ao negócio. O fato é que a relação, entre consumidor e empresa privada de serviços de saúde, seja antes ou depois da legislação, sempre foi firmada por meio de um contrato que define as obrigações e os deveres de ambas as partes. Tanto o consumidor espera ter atendidas as coberturas contratadas, bem como o prestador aguarda receber os valores do consumidor em conformidade à cobertura ofertada.

Por sua vez, o contrato de plano de saúde tem natureza securitária, isso porque suas bases econômicas se equiparam às do contrato de seguro pautado por um cálculo atuarial. Além disso, ambos são constituídos de forma solidária entre seus beneficiários, ligados pelo mutualismo decorrente da característica coletiva que tais acordos possuem. Cabe, então, ao profissional atuário a responsabilidade de precificar o risco, considerando nesta difícil equação, diversas variáveis como: faixa etária, gênero, área de abrangência, rede de assistência, dentre outras informações.

Entretanto, uma realidade crescente no mercado da saúde suplementar é o beneficiário recorrer ao sistema Judiciário solicitando o deferimento para procedimentos e internações em hospitais de alto custo não contemplados em seu contrato com a operadora de planos de saúde. Além de não haver razoabilidade nas solicitações que desrespeitam, em sua maioria, os acordos previamente estabelecidos, a judicialização exige à operadora a absorção dos valores acima do risco. A conta, cada vez mais elevada, em última instância, é rateada entre toda a carteira de usuários. Por sua vez, todo o trabalho técnico realizado pelo atuário é substituído por decisões judiciais.

Como precificar o que não tem limite? Como calcular o custo de um produto ou serviço que, à revelia, pode sofrer ajustes futuros não previstos e com grande impacto econômico-financeiro para a empresa prestadora? Na prática seria o mesmo que comprar em uma concessionária um automóvel popular e exigir a retirada de um modelo de custo maior. Cabe judicializar tal situação? E se analisarmos os contratos de seguro de carro ou imóvel. Há ampliação do direito do cliente que venha a desonrar as cláusulas estipuladas em contrato, assinadas de comum acordo, sem a devida reavaliação financeira?

Diante ao desafiador cenário da judicialização que há anos o mercado da saúde suplementar enfrenta é aceitável em um processo a solicitação de vistas ou revisão dos valores arcados pelo usuário, a título de transparência do cálculo atuarial. Porém, atribuir ao usuário uma benesse ao qual ele não pagou para ter direito a usufruir coloca em risco toda a cadeia de saúde privada. O segmento já padece de uma realidade extremamente dura no Brasil: casos de uso não racional do plano de saúde, prejuízo com as fraudes dos reembolsos, tecnologia com custo altíssimo, envelhecimento da população, inflação da saúde galopante, dentre outros. Vislumbro em um futuro muito próximo a seguinte situação: operadoras fechando as portas e jogando no mercado de trabalho centenas de milhares de profissionais desempregados, e outra centena de milhares de beneficiários perdendo seu plano de saúde necessitando recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS).

É urgente sensibilizar o Judiciário, o Congresso, os setores Jurídicos do Sistema Unimed e das empresas que atuam na saúde suplementar sobre a necessidade de nos apropriarmos dessa ferramenta, ou seja, o cálculo atuarial. Em recente contato com a presidente do Instituto Brasileiro de Atuária [IBA], Raquel Marimon, tomei conhecimento de que a entidade dispõe de uma equipe de profissionais amplamente capacitada e habilitada a construir a fundamentação adequada para subsidiar os processos. Saliento que não desejo, em momento algum, modificar as deliberações dos magistrados. O setor precisa lutar pelo protagonismo dos profissionais atuariais, bem como das sociedades e entidades da área da saúde que atuam respaldadas em evidências e estudos técnicos e científicos. Somente esse caminho evitará as situações discrepantes, desproporcionais vivenciadas diuturnamente.

Nesse contexto proponho uma maior aproximação do Judiciário e da Atuária no sentido de melhor amparar as decisões. Com assento permanente nos Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário (NatJus), por exemplo, tais profissionais de alto gabarito técnico e experiência poderiam auxiliar a análise de pedidos que envolvam procedimentos médicos, bem como fornecimento de medicamentos. Apesar dos avanços na profissão e mesmo diante de toda a importância do trabalho desenvolvido, o atuário ainda passa despercebido em alguns casos, onde ainda existe um conflito de identidade, ou pior quando não sabem de fato o seu real papel dentro das operadoras, por incrível que pareça.


*Joé Sestello é Diretor-Presidente da Unimed Nova Iguaçu.

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