Barreiras sociais não impedem opção pela diálise peritoneal
Dificuldades sociais de adaptação não diminuem a eficiência dos tratamentos de diálise peritoneal em pacientes com problemas renais: este foi o resultado de pesquisa de mestrado desenvolvida pelo nefrologista André Marassi, profissional do Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Os achados foram divulgados recentemente em artigo publicado na revista especializada francesa Le Bulletin de la Dialyse à Domicile (Boletim de Diálise Domiciliar).
Ao longo de um ano, 56 pacientes em tratamento no HU-UFJF que optaram pela diálise peritoneal como forma de tratamento nefrológico foram acompanhados e entrevistados. O objetivo era entender quais as possíveis barreiras sociais que dificultariam a adaptação dos pacientes ao modelo alternativo à hemodiálise. “Mesmo em pacientes com dificuldades socioeconômicas e um menor nível de letramento, a diálise peritoneal mostrou um índice de complicações muito baixo. Isso ajuda a quebrar o preconceito em relação ao paciente não saber realizar os próprios cuidados em casa”, explica o médico.

O que é a diálise peritoneal?
A diálise peritoneal é uma forma de terapia de substituição da função dos rins. Nela são utilizados pequenos canos de silicone que são introduzidos pouco abaixo do umbigo e realizam o processo de filtragem do sangue. As sessões duram oito horas e podem ser realizadas de três a cinco vezes na semana, a depender da condição do paciente.
Diferente da hemodiálise, que exige ir a um hospital ou clínica habilitados três vezes na semana para se conectar a uma máquina que realiza esse trabalho de substituição da função dos rins durante quatro horas, a diálise peritoneal pode ser feita na própria residência do paciente. Por mais que as sessões de diálise peritoneal durem o dobro do tempo, elas podem ser realizadas a qualquer momento do dia, inclusive durante o sono.
André Marassi reforça, inclusive, que o tratamento é mais indicado para certos grupos. “Para crianças, ele é particularmente interessante, por impactar menos a vida social e pela fragilidade das veias infantis. Para idosos e pacientes com problemas cardíacos, a diálise peritoneal é também considerada menos agressiva. Isso porque as trocas de fluídos são mais lentas e as sessões são mais longas, dessa forma o processo gera menos instabilidade no sistema do paciente”, explica.
A médica nefrologista Natália Fernandes também pontua a questão da qualidade de vida. Para ela, “a diálise peritoneal é mais interessante para o paciente, mas é claro que existem aquelas pessoas que preferem a comodidade de vir até o hospital para realizarem a hemodiálise, sem terem que executar nenhum procedimento por conta própria. O importante é o paciente ter a possibilidade de escolher qual tratamento se encaixa melhor nas suas preferências”.
Um tratamento pouco conhecido
A diálise peritoneal faz parte dos tratamentos oferecidos pelo hospital desde a criação do Serviço de Nefrologia, há mais de 30 anos. Mesmo sendo uma modalidade de tratamento muito popular em outros países, como a China e a França, os números dessa opção no Brasil têm caído. Atualmente, somente 3,7% dos pacientes elegíveis optam por ela.
Fernandes aponta que o desconhecimento dos pacientes sobre as possibilidades de tratamento fere as normas da Medicina. Isso porque há uma resolução normativa colegiada determinando que, na ausência de contraindicações, quem escolhe o tipo de terapia substitutiva a ser realizada é o paciente em conjunto com seu médico. “Se nós vamos iniciar um tratamento que vai alterar a rotina de um paciente, nós precisamos garantir a ele as informações necessárias para tomar uma decisão que se encaixe melhor em sua vida”, comenta a médica.
Atualmente, o HU-UFJF/Ebserh é o único hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) na região que disponibiliza diálise peritoneal. A instituição atende por volta de 130 pacientes na hemodiálise e 50 na diálise peritoneal. Por mais que a diálise seja realizada em casa, o hospital ainda participa da vida dos pacientes, fornecendo gratuitamente, via SUS, a máquina e os materiais utilizados.
Além dos médicos nefrologistas, os pacientes têm acompanhamento de uma equipe multiprofissional. A assistente social Sanye Ferreira Sant Ana ressalta que o atendimento multiprofissional é essencial para o sucesso da diálise peritoneal, “pois o olhar de cada especialidade envolvida no atendimento qualifica o trabalho, revertendo em excelência no atendimento e demandas dos usuários em tratamento. No HU, o primeiro atendimento ao usuário é realizado conjuntamente pela equipe multiprofissional: enfermagem, psicologia e serviço social”.
A enfermagem orienta sobre as indicações e contraindicações da diálise peritoneal, o funcionamento do tratamento, necessidades/exigências para o domicílio, treinamento para realização do tratamento em casa entre outras informações. A psicologia atua junto ao paciente/familiares, visando auxiliar na forma de lidar com o processo de adoecimento e promoção da qualidade de vida e saúde mental. Realiza acompanhamento individual e familiar. O serviço social realiza atendimento ao usuário e familiares, orienta quanto ao acesso a direitos sociais, aciona rede assistencial e de saúde (quando necessário), verifica/identifica rede de apoio. Também orienta sobre a autonomia do usuário, direitos e deveres do mesmo e de seus familiares. Já o atendimento nutricional avalia criteriosamente o estado nutricional dos pacientes, oferecendo orientações alimentares e elaborando dietas adequadas para cada caso.
A assistente social tem a mesma impressão da equipe médica, de que a maior barreira para que os usuários optem pela diálise peritoneal é a falta de informação sobre essa terapia. “Observamos que a mesma é pouco divulgada e, em nossa cidade, poucas clínicas oferecem esse tipo de terapia. Para a realização do tratamento, o suporte familiar e/ou rede de apoio aos usuários é essencial. Quanto ao perfil socioeconômico, no HU atendemos muitas pessoas em situação de vulnerabilidade social, mas tal situação não é verificada como dificuldade para a realização do tratamento, desde que tenha apoio familiar e/ou rede de apoio”, pontua.