Hospitais registram aumento de bactéria super-resistente após pandemia de Covid
Um estudo liderado pela pesquisadora Jussimara Monteiro, gerente do Núcleo de Apoio ao Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (NASCIH) da AFIP– Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa -, revelou um aumento nos registros de bactérias super-resistentes nos ambientes hospitalares brasileiros após a pandemia de Covid-19. O trabalho, premiado e reconhecido no maior congresso mundial de medicina laboratorial, destaca uma questão global que pode afetar toda e qualquer unidade hospitalar.
A pesquisa analisou mais de 70 mil amostras de culturas de vigilância, coletadas de janeiro a dezembro de 2023. As amostras foram processadas no núcleo técnico operacional da Afip Medicina Diagnóstica. Os critérios para a seleção de pacientes que são submetidos à cultura de vigilância epidemiológica variam entre os hospitais. De um modo geral, pacientes de risco, ou seja, aqueles que estiveram internados em UTI há menos de dois meses ou em acompanhamento intensivo há mais de uma semana, são elegíveis para realização da cultura de vigilância.
No estudo, mais de cinco mil amostras apresentaram resultado positivo para a presença de microrganismos resistentes. O principal perfil de resistência aos antibióticos foi detectado em Klebisella pneumoniae carbapenemase (KPC), uma das classes de bactérias mais nocivas já relatadas, seguido por Acinetobacter baumannii também resistente aos carbapenêmicos. Ambos os germes estão classificados em um relatório publicado pelo órgão americano Centers for Disease Control and Prevention (CDC) como ameaças à saúde pública e que exigem ações urgentes pelos órgãos controladores.
“Esse ponto chamou nossa atenção, porque esse não era o cenário antes da pandemia. O aumento nos casos de Acinetobacter baumannii nos acende um alerta, pois estamos falando de um agente multirresistente, com capacidade de se manter estável no ambiente por um período considerável. Se somarmos a esse cenário o uso excessivo de antibióticos, que foi um fato recorrente em toda a população mundial entre os anos 2020 e 2022, há uma potencialização da resistência dessas bactérias, o que aumenta as chances de disseminação desses patógenos no ambiente hospitalar”, ressalta Jussimara Monteiro, gerente do NASCIH. Algumas pesquisas globais afirmam que os antibióticos foram prescritos em cerca de 59% dos casos de internação por Covid-19, independentemente da presença de infecção bacteriana.
O estudo do Núcleo da AFIP traz um olhar para a “base do iceberg”. A maior parte das pesquisas e discussões científicas estão voltadas para a “ponta do iceberg” com um olhar atento para a importância desses microrganismos como protagonistas de casos infecciosos em ambientes hospitalares. A proposta de Monteiro foi se debruçar sobre o perfil de colonização dos pacientes, já que a partir do entendimento desse padrão as CCIHs (Comissões de Controle de Infecção Hospitalar) podem determinar os protocolos de medidas de controle e, assim, reduzir a chance de transmissão entre pacientes.
A pesquisa será apresentada como destaque em um dos maiores congressos de medicina laboratorial do mundo, o da ADLM (Association for Diagnostics & Laboratory Medicine), realizado em Chicago (EUA), que vai até 1º de agosto. O evento reúne os profissionais mais renomados do setor. “Estamos muito honrados de, mais uma vez, ter um estudo premiado nesse evento que é tão importante para a comunidade científica”, relata a pesquisadora, que já teve outro trabalho premiado na edição de 2022.
O novo estudo deixa claro a importância das culturas de vigilância para detectar a prevalência de patógenos multirresistentes e auxiliar os departamentos que combatem as infecções hospitalares, conhecidos como CCIHs, a tomarem as medidas mais adequadas. Para isso, são necessárias, periodicamente, as coletas de amostras dos pacientes que se encaixam nos critérios de risco como eventuais portadores de bactérias potencialmente perigosas.
O exemplo do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Foi a partir da análise de culturas de vigilância que Cely Abboud, infectologista e presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, implementou medidas eficazes de controle de infecção. Em 2013, o hospital enfrentou um aumento significativo nos casos de KPC, alguns deles muito graves. Em virtude dessa situação, a especialista passou a adotar uma série de intervenções que surtiram efeito extremamente positivo. Um caso citado até hoje como referência na literatura médica.
“A cultura de vigilância já fazia parte da rotina, mas era algo incipiente. Nós passamos a coletar amostras dos pacientes todas as segundas-feiras, isolamos aqueles que apresentavam exames positivos para patógenos resistentes, incluímos a clorexidina (um tipo de antisséptico) no banho, treinamos a equipe em relação à melhor forma de higienizar as mãos e o ambiente, e disponibilizamos álcool em gel ao lado de cada leito”, conta. “Essas medidas podem parecer corriqueiras atualmente, mas foram extremamente inovadoras na época”, completa Abboud.
Não só inovadoras. Com o apoio técnico e científico do NASCIH foi possível realizar comparação entre as amostras que foram analisadas no momento anterior à adoção desses procedimentos com as que foram estudadas no pós-intervenção. Os dados mostram uma redução significativa tanto nos casos de colonização, como nos registros de infecções. As medidas foram tão eficazes que seguem sendo aplicadas dessa mesma forma até hoje.
“É importante ressaltar que os hospitais precisam receber os dados e fazer uso deles, porque a informação sozinha não altera nada. As CCIHs precisam ser atuantes e autônomas para enfrentar os cenários que o laboratório aponta a partir das análises das culturas de vigilância”, finaliza Monteiro.