Atual modelo hospitalar encarece planos e não inibe erro médico

Se os planos de saúde e os hospitais privados chegassem a um acordo e mudassem a fórmula que há décadas os primeiros usam para pagar os segundos por cirurgias e internações, o Brasil assistiria a dois grandes avanços: a redução do número de mortes nos hospitais e o barateamento das mensalidades dos planos de saúde.

A conclusão é de um estudo sobre a segurança nos atendimentos hospitalares feito neste ano pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).

A atual fórmula de pagamento é conhecida como conta aberta. Por meio dela, quando um cliente de plano de saúde passa por uma cirurgia ou internação, a operadora remunera o hospital por todos os custos envolvidos, como honorários médicos, exames, medicamentos e diárias.

A conta aberta se torna um problema quando a equipe de saúde comete algum erro grave no tratamento e, por causa disso, o paciente tem que passar por uma segunda cirurgia (para corrigir a primeira) ou a internação se prolonga além do previsto. Nesse tipo de situação, todos os gastos extras entram na conta, e o hospital também é remunerado por eles.

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Tal modelo de pagamento não incentiva os hospitais a serem mais cuidadosos com os pacientes, o que abre espaço para a ocorrência de erros no tratamento. A médica e professora Tania Grillo, uma das autoras da pesquisa, afirma:

— É claro que o hospital não erra deliberadamente para receber mais. O que ocorre é que o sistema remuneratório não o incentiva a modificar seus processos e fluxos para atingir a excelência na segurança assistencial. Não é raro encontrar hospital com equipes subdimensionadas e profissionais sobrecarregados, o que cria o ambiente propício para o erro.

 

Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 95% dos procedimentos de saúde pagos pelos convênios médicos se enquadram na fórmula da conta aberta.

Apenas no ano passado, de acordo com o estudo da UFMG e do Iess, 55 mil brasileiros morreram em decorrência de falhas nos hospitais (privados e públicos), como infecções evitáveis e efeitos adversos pela administração de medicamentos errados. Houve, em média, uma morte a cada dez minutos. É como se, ao cabo de dez anos, morresse a população inteira de uma cidade do porte de Juiz de Fora (MG) ou Londrina (PR).

 

Nem todas as vítimas de falhas hospitalares morrem. As que sobrevivem podem ficar com sequelas físicas e emocionais.

A fórmula de remuneração não responde sozinha pelas mortes evitáveis ocorridas nos hospitais privados do Brasil. Segundo o estudo, ajudam a compor esse cenário a insuficiência das fiscalizações sanitárias do poder público, a falta de auditorias externas (apenas 5% dos hospitais se submetem a avaliações independentes) e a má formação dos médicos (o país tem muitas faculdades de medicina, mas poucas vagas para residência médica).

 

Outro problema é a resistência dos hospitais a tornar públicas as suas estatísticas de mortalidade. A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) deve votar nos próximos dias um projeto de lei que toca justamente nessa questão. Elaborado pela senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), o PLS 332/2013 obriga todas as unidades de terapia intensiva (UTIs) do país a divulgar seus números na internet de tempos em tempos.

— Quando tomar conhecimento do desempenho dos diversos serviços de terapia intensiva do país, a população poderá fazer comparações e escolher aqueles que mostrarem os melhores resultados. As unidades que forem deficitárias serão naturalmente forçadas a cuidar da qualidade — argumenta a senadora.

Os usuários dos planos de saúde sentem no bolso os efeitos da conta aberta. Como a correção das falhas hospitalares também exige dinheiro, os planos gastam mais do que deveriam. Esses custos adicionais, claro, são repassados aos clientes dos planos, que acabam arcando com mensalidades mais caras. De acordo com a ANS, 47 milhões de brasileiros (22,5% da população) têm plano de saúde.

Enquanto a inflação geral do Brasil no ano passado ficou em 3% (de acordo com o IPCA), as mensalidades dos planos de saúde individuais foram reajustadas em 13,5% (índice máximo autorizado pela ANS) e as dos planos coletivos subiram em média 15%.

— O atual sistema estimula não a segurança do paciente, mas sim o desperdício de recursos financeiros e a inflação da saúde — afirma o economista-chefe da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais.

A questão preocupa o Senado. O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) é autor de um projeto de lei que obriga a ANS, responsável por controlar os aumentos apenas dos planos individuais, a limitar também o reajuste dos planos coletivos, para evitar abusos (PLS 100/2015).

A CAS organizou uma audiência pública para tratar desse projeto e os efeitos colaterais da conta aberta apareceram no debate. O presidente da Abramge, Reinaldo Camargo Scheibe, mostrou um aparente paradoxo: enquanto o número de brasileiros com plano de saúde diminuiu, a quantidade de procedimentos custeados pelas operadoras aumentou.

— No último ano, o número de beneficiários caiu de 50 milhões para 47 milhões, o que dá 6% a menos. Mesmo assim, a quantidade de internações subiu 3%; de exames, 12%; e de terapias, 24%. Estamos caminhando em direção ao suicídio. Se não mudarmos a forma de pagamento, o sistema de saúde vai quebrar.

As operadoras de planos de saúde já testam novos modelos. A Amil começou a implantar no ano passado uma fórmula que privilegia os hospitais que cometem menos falhas no atendimento. O hospital que adere ao novo modelo passa a receber da operadora um valor fixo por ano. Quanto menos erros cometer, mais dinheiro terá em caixa.

— O grande beneficiado será o cliente, que não passará por exames e procedimentos desnecessários nem sofrerá complicações evitáveis — explica o diretor-executivo da Amil, Daniel Coudry.

No ano que vem, a Amil testará um modelo mais sofisticado, com a remuneração baseada no sucesso de cada tratamento. Suponha-se que uma cirurgia ortopédica custe R$ 100 mil. Inicialmente, o hospital receberá da operadora R$ 70 mil. Caso o paciente sofra uma recaída por causa de falha no atendimento e precise ser internado de novo ou passar por sessões extras de fisioterapia, a operadora não pagará nada mais ao hospital. Caso ele se recupere da melhor forma possível, o hospital receberá os R$ 30 mil restantes, além de um bônus de R$ 20 mil pelo bom desempenho.

— O que importará será o desfecho. Para que não haja conflitos entre a operadora e o hospital, o paciente será avaliado no pós-operatório por uma terceira parte, que será isenta e fará sua análise por meio de uma tabela com indicadores objetivos — explica Coudry.

Em 2016, a ANS criou um grupo de trabalho incumbido de estudar modelos alternativos à conta aberta. Assim que as discussões se encerrarem, as fórmulas serão testadas em projetos-piloto de adesão voluntária. A agência reguladora diz que o objetivo é incentivar — e não impor — a adoção de “modelos inovadores que favoreçam a qualidade e a sustentabilidade”.

A Agência Senado procurou a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) na semana passada para comentar as críticas ao atual modelo de remuneração, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

(Informações do Especial Cidadania, com texto de Ricardo Westin, da Agência Senado)

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