Atraso na ampliação do Teste do Pezinho expõe crianças a alto risco
Por Adriane Loper e Andréa Gozetto
É uma corrida contra o tempo. Os primeiros dias de vida são decisivos para um bebê que nasce com Atrofia Muscular Espinhal (AME). O que se passa nesse período determina se a criança terá liberdade para brincar e crescer com mais autonomia. Nos casos mais severos, dependente de alguém que lhe dê comida na boca, banho, troque de roupa e supervisione os equipamentos que a ajudam a respirar a cada minuto.
Todas essas graves consequências podem ser evitadas. Mas, por questões que vão do excesso de burocracia à falta de conhecimento sobre a doença, bem como a imobilidade do poder público, temos condenado quase 300 crianças por ano no Brasil a essas condições ou, nos piores cenários, à morte.
Considerada urgência pediátrica, a AME é o maior fator genético de mortalidade infantil, atualmente. Uma doença rara, que afeta os neurônios, gerando fraqueza muscular e atrofia. Em poucos meses, pode resultar na perda de controle dos braços, pernas e pescoço, dificuldades respiratórias e de deglutir um simples alimento. Quanto mais rápido se reconhecer o quadro, melhor chance há de dar qualidade de vida à criança, inclusive com manutenção dos movimentos, da respiração e de total – ou quase completa – independência. Se é assim, o que falta para avançarmos no tratamento?
Entre os fatores primordiais, o acesso ao diagnóstico. A triagem neonatal, também conhecida como Teste do Pezinho, é obrigatória pela legislação e é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com objetivo de reconhecer precocemente e tratar doenças antes de os sintomas aparecerem. Com o diagnóstico precoce, uma criança que tenha testado positivo para AME, se medicada até os 06 meses de idade, pode nem desenvolver a doença.
O Teste do Pezinho tradicional abrange apenas seis doenças. Em 2021, a Lei nº 14.154 estendeu para 52 o número de enfermidades identificadas e propôs um escalonamento em cinco fases para a incorporação das doenças. A AME será incorporada apenas na última fase. A extensão proposta pela lei democratiza o acesso às informações sobre saúde e facilita a realização do tratamento adequado. Considerando a complexidade de incorporação dessas “novas” doenças na triagem, o Ministério da Saúde ainda não se debruçou sobre essa questão. Por isso, após dois anos de a lei ter sido sancionada, o processo segue com pouquíssimos avanços. Até o momento, foi incorporada apenas 1 doença, disposta na primeira fase do escalonamento. Ainda não temos sequer um cronograma oficial de incorporação, o que compromete o cuidado com inúmeras doenças raras no país. Além de dar celeridade a essas fases, é essencial que a incorporação da AME seja antecipada.
Boas razões não faltam. A partir do diagnóstico e apesar de a cura ainda não ter sido descoberta, o tratamento é realizado no próprio SUS com medicações altamente eficazes. Associado a esse ponto, há uma rede de apoio sólida aos pacientes proporcionada por organizações da sociedade civil e uma capacidade admirável de transformar a vida das pessoas para sempre com o tratamento.
Somado à possibilidade de reduzir despesas do governo e das famílias com o tratamento ao longo das décadas, apoiar o Teste do Pezinho ampliado traz um forte componente humano. Uma maneira nobre de salvar vidas e permitir que homens e mulheres de todas as classes sociais sonhem, cresçam e se tornem uma prova viva de que essa luta é essencial para melhorar as condições de saúde da população.
*Adriane Loper é uma das líderes do Universo Coletivo AME (Atrofia Muscular Espinhal) e presidente do Instituto Fernando.
*Andréa Gozetto é consultora em Advocacy, coordenadora acadêmica da Formação Executiva Advocacy e Políticas Públicas da FGV/IDE e doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. É co-autora do Guia para construção de estratégias de Advocacy: como influenciar políticas públicas.