Da necessidade da observância do rol de procedimentos da ANS

Por José Luiz Toro da Silva

Discute-se, com certa frequência, se o Rol de Procedimento e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para a cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde estabelece um rol taxativo de cobertura ou se pode o juiz, diante de uma situação específica, autorizar uma cobertura superior aquela estabelecida pela ANS, mesmo que esta cobertura não tenha amparo contratual.

Infelizmente, apesar de entender que aludidas normas deixam evidenciado o caráter taxativo do rol da ANS, muitas liminares são concedidas pelas Justiça, a fim de estabelecer coberturas não previstas contratualmente e que não integram a equação econômico-financeira que norteou a contratação.

Muitas das liminares que são concedidas contra os planos privados de assistência à saúde deveriam ser dirigidas ao Poder Público, haja vista que a obrigação da livre iniciativa é aquela que se encontra prevista na legislação do setor. A saúde suplementar não foi criada à semelhança do SUS, sujeitando-se a regulamentação, controle e fiscalização do Poder Público, exclusivamente, nos termos e nos limites da lei. Por isso, a regulação deve levar em consideração a esfera de interesse, os direitos e princípios jurídicos que são aplicados à livre iniciativa. A saúde suplementar não integra o SUS, não obstante estar sujeita a situações de ressarcimento de despesas. A função social e a relevância pública da mencionada atividade devem se harmonizar com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência estabelecidos na Constituição Federal, fazendo-se mister o devido sopesamento.

Não pode o Estado ignorar que a saúde suplementar é uma atividade econômica, que exerce relevante função social, devendo ser garantida e incentivada, até mesmo em face do art. 174 da Constituição Federal. Obviamente, a regulação deverá observar o necessário equilíbrio, ponderando os aspectos econômicos e sociais que se aplicam ao mencionado setor, até mesmo decorrência de sua classificação como atividade de relevância pública pelo legislador constitucional. Consequentemente, o poder de regular as atividades de saúde suplementar sofre limitações. E muitas.

O Estado, inclusive o Estado-Juiz, não pode desconsiderar a necessidade da criação de um ambiente regulatório sadio, que preserve e até mesmo incentive a sustentabilidade do segmento da saúde suplementar, garantido a livre concorrência e a livre iniciativa. Para que uma atividade econômica possa sobreviver se impõe a existência de um ambiente regulatório, minimamente estável e previsível, até mesmo em face dos valores econômicos sociais e econômicos envolvidos na saúde suplementar e frente ao fato de que estamos diante de um contrato cativo de longa duração, no qual os consumidores desejam a sua perpetuidade, ou seja, que estejam cobertos até o fim de suas vidas.

A judicialização da saúde, da forma como hoje está sendo praticada em relação à saúde suplementar estabelecendo coberturas que não estão no rol da ANS, muitas vezes lastreada em aspectos ideológicos, se ancorando, exclusivamente, no princípio da dignidade da pessoa humana, sem levar em consideração os princípios constitucionais garantidores da livre iniciativa e da livre concorrência, bem como aqueles inerentes à legalidade, segurança jurídica, observância da separação dos poderes e respeito ao Estado Democrático de Direito, desprezando as esferas de interesses que são estabelecidas constitucionalmente, está comprometendo a sustentabilidade e a existência do mencionado segmento. Ademais, a aludida corrente não percebe que somente o Estado é que tem o dever de observar os princípios da universalidade, integralidade e gratuidade. Ela também não realiza o devido sopesamento, comprometendo a própria atuação do órgão regulador, acreditando que somente exista um super princípio, quando se sabe que no juízo de ponderação não existe uma situação de tudo ou nada.

As externalidades positivas aplicadas aos beneficiários, em detrimento das operadoras (externalidades negativas), sem previsão legal e que contrariam os cálculos e estudos atuariais, implicam uma distorção nos custos dos planos, que poderão inviabilizar a mencionada atividade empresarial ou, até mesmo, implicar na cobrança de valores mais elevados para os novos planos de saúde, restringindo ou inviabilizando o acesso de novos beneficiários. As duas situações são prejudiciais para os beneficiários, de maneira geral. Com a intenção de proteger o beneficiário, a citada judicialização da saúde está fazendo com que os preços dos planos de saúde sejam maiores do que aqueles que poderiam ser praticados, contrariando até mesmo o princípio da igualdade, pois aqueles que gozam da proteção judicial têm coberturas diferentes daqueles que não recorrem à tutela jurisdicional, não obstante os dois estarem pagando os mesmos valores. Se o judiciário estabelece uma cobertura superior àquela que se encontra na Lei n. 9.656, de 1998, principalmente no rol da ANS, os planos devem cobrar valores superiores aos que são atualmente praticados pela prestação de seus serviços, afastando do mercado inúmeras pessoas que não teriam condições de suportar esses valores. Percebe-se que, consciente de tal realidade, o legislador realizou escolhas, não podendo o Poder Judiciário ou o órgão regulador ignorá-las.

Urge, portanto, que a regulação estatal seja exercida com equilíbrio, respeitados os deveres e as limitações legais, com o devido sopesamento dos princípios e valores constitucionais, sob pena de prejuízos para toda a sociedade. É importante lembrar que mais de um quarto da população brasileira utiliza os serviços das operadoras de planos privados de assistência à saúde, sendo que eventual falência desse setor somente irá agravar, ainda mais, a situação do SUS.

É de suma importância que as obrigações das operadoras sejam positivadas, haja vista que a previsibilidade das mencionadas exigências é condição necessária para a sustentabilidade dos contratos que produzem seus efeitos ao longo de toda a vida de seus beneficiários, sendo evidente a relação existente entre o direito e a economia e, in casu, com a própria ciência atuarial, que tem por foco o estabelecimento da precificação.

O juiz ou o regulador não pode fixar uma “nova obrigação”, determinada com efeitos pretéritos, estabelecendo coberturas que não estão presentes na lei ou na regulação exercida pela ANS.

A preservação e a sustentabilidade da saúde suplementar é de interesse do beneficiário e beneficia o próprio Estado, pois lhe exonera da obrigatoriedade da prestação de serviços para um expressivo número de brasileiros, se fazendo mister, portanto, que haja uma harmonização dos interesses, não podendo o órgão regulador ou o Judiciário desconhecer os efeitos econômicos decorrentes de suas decisões, sob pena do “remédio se transformar em um veneno”, com sérias e trágicas repercussões para toda a sociedade.


José Luiz Toro da Silva, sócio do Toro Advogados. Mestre e Doutor em Direito. Consultor jurídico UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde. Presidente IBDSS – Instituto Brasileiro da Saúde Suplementar

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