Angelita Gama é a primeira cirurgiã da América Latina a receber medalha Bigelow
Uma das cientistas mais premiadas do país, a cirurgiã coloproctologista do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Prof.ª Angelita Habr-Gama, é a primeira médica-cirurgiã da América Latina a receber a medalha Bigelow. A láurea, que foi instituída em 1916, é uma homenagem oferecida pela tradicional Sociedade de Cirurgia de Boston (EUA). A medalha é concedida quando o conselho científico da sociedade de Massachusetts julga adequado laurear um cirurgião cuja trajetória represente uma contribuição de destaque ao progresso científico e ao ensino da cirurgia.
A cirurgiã brasileira e professora emérita da Universidade de São Paulo (USP) é também a primeira mulher entre os 34 já premiados. A outorga da medalha Bigelow ocorreu no dia 06 de novembro de 2023, em Boston, nos EUA. Em 2022, a Prof.ª Angelita já havia sido reconhecida pela Universidade de Stanford (EUA) como uma das médicas que mais contribuíram para o desenvolvimento da ciência no mundo.
Uma das pesquisadoras brasileiras mais premiadas, em seis décadas de dedicação à medicina, a cirurgiã já publicou mais de 260 artigos científicos em revistas indexadas na base de estudos PubMed. De acordo com Rodrigo Oliva Perez, coordenador do núcleo de coloproctologia e intestinos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, esta premiação é mais que merecida, pela sua relevância e contribuição à sociedade e à medicina. Dentre as principais contribuições aos pacientes com câncer de cólon e reto, merece destaque a estratégia “Watch and Wait”, método idealizado e proposto pela Prof.ª Angelita Gama, em 1991.
“Depois de três décadas de muita controvérsia e diversos estudos publicados, a estratégia é atualmente considerada uma alternativa válida para pacientes com câncer da porção distal do reto que apresentam resposta clínica completa após tratamento com rádio e quimioterapia, vem sendo praticada em vários centros em todo o mundo. ‘Observar e Esperar’ (do inglês Watch and Wait) que significa acompanhar muito de perto, com consultas e exames específicos frequentes, pode ser uma boa alternativa ao tratamento cirúrgico radical. Nesta estratégia, há o potencial de evitar uma intervenção cirúrgica de grande porte, que pode se acompanhar de complicação e mesmo de uma colostomia definitiva (operação da bolsinha) para desvio das fezes. A operação torna-se necessária apenas quando não ocorre o desaparecimento total do tumor, ou quando ele reaparece.
Legado
Após concluir o ensino fundamental, a Prof.ª Angelita fez concurso e foi aprovada para ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Não foi a primeira mulher a ser aceita lá, mas tinham poucas naquela época e nenhuma delas gostaria de seguir na especialidade cirúrgica. “Meus colegas e professores ficaram surpresos, pois eu estava desafiando a tradição de que o mundo da cirurgia era apenas de homens” relembra a Prof. Angelita Gama.
Terminada a residência de cirurgia geral e depois de cirurgia digestiva, Angelita entusiasmada com os colegas do St. Mark´s Hospital, em Londres, que a conheceu em um congresso internacional ocorrido em São Paulo, decidiu ir para Londres, para fazer um estágio. “Naquela época todo jovem cirurgião que optasse por cirurgia colorretal, deveria visitar aquele hospital. Após várias cartas enviadas para solicitar o estágio, eles responderam que o hospital St. Mark´s Hospital era para homens e não para mulheres. Eu insisti em uma última carta e escrevi: não se preocupem, pois, vocês irão gostar de mim. Sou um tipo diferente do que vocês estão acostumados. Afinal, me aceitaram, arrumei a mala e fui. De volta ao país, continuou seu trabalho no Hospital das Clínicas da FMUSP, tendo sido promovida sucessivamente, e se tornou a primeira mulher a chefiar o Departamento de Cirurgia em São Paulo. Mantendo o interesse na Coloproctologia, lutou junto ao MEC para que fosse reconhecida como uma especialidade, pois até então fazia parte da cirurgia digestiva”, explicou.
Nascida na Ilha de Marajó (PA), Angelita já ganhou mais de 50 prêmios científicos e é uma referência mundial em coloproctologia. Além disso, exerceu a presidência da Sociedade Brasileira e da Sociedade Latino-Americana de Coloproctologia e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e vice-presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. “O primeiro ‘não’ que eu ouvi foi dos meus pais, quando optei pela medicina, pois eles queriam que eu fosse professora. O segundo não foi quando decidi pela cirurgia, e o chefe da residência me disse que era melhor eu ir para a área clínica e o terceiro foi quando insisti na ida para o hospital St. Mark’s, pois a cirurgia era para homens. Mas eu fui em frente, prestei concurso e passei”, explica.
Covid
Angelita foi contaminada pela Covid-19 em uma viagem profissional ao exterior no final de fevereiro de 2020. De volta ao Brasil, em março lançou a biografia “O Não, não é resposta” (DBA Editora), escrita pelo jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão. Poucos dias depois apresentou as primeiras manifestações da doença.
“Fui internada no Hospital Alemão Oswaldo Cruz e, como os sintomas respiratórios pioraram, fui transferida para a UTI e permaneci 50 dias intubada. Quando percebi que poderia morrer, eu pensei: estou preparada, pois já vivi bastante e bem mais do que a média da população. Como gosto da vida, fiz tudo que poderia fazer da melhor forma possível para obter a cura. E não tive medo em nenhum momento. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz sempre me senti em casa. Logo que tive alta hospitalar, eu retomei as atividades cirúrgicas e de pesquisa com elaboração de artigos científicos para publicações nacionais e internacionais”, finaliza.