Amortalidade: o futuro possível além do mito da imortalidade

Por Raul Canal

A ideia de viver eternamente sempre fascinou a humanidade. Desde a Epopeia de Gilgamesh, escrita há quase quatro mil anos, reis, alquimistas e até cientistas têm sonhado com a vida eterna. Hoje, líderes globais acompanham de perto os avanços da biotecnologia e do transplante de órgãos como forma de prolongar a existência. Mas se a imortalidade continua a povoar imaginários e conversas políticas, é preciso dizer com clareza: não passa de mito.

A ciência tem outro horizonte, muito mais concreto e plausível: a amortalidade. Diferente da imortalidade, ela não pretende eliminar a morte, mas sim adiar ao máximo suas causas naturais, expandindo a longevidade humana com qualidade de vida. O conceito parte de um reconhecimento: existe um limite biológico. Um estudo publicado em 2021 na Nature Communications estima que esse teto esteja entre 120 e 150 anos. Nosso corpo perde progressivamente a capacidade de se recuperar do estresse celular, mesmo na ausência de doenças graves. É um freio natural, até agora intransponível.

Mas a pergunta que mobiliza cientistas não é “como viver para sempre”, e sim “como chegar mais perto desse limite com saúde e autonomia?”. E aí entra o papel decisivo da medicina regenerativa e da terapia celular.

As pesquisas com células-tronco mostram que já vivemos uma revolução. Elas podem se transformar em diferentes tecidos (pele, músculo cardíaco, vasos sanguíneos, neurônios) e regenerar áreas comprometidas do corpo. Estudos publicados em periódicos internacionais, como o Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, destacam o avanço dessas terapias no reparo de tecidos danificados e no tratamento de doenças degenerativas. A combinação com engenharia de tecidos abre caminho para tratamentos cada vez mais sofisticados, capazes de restaurar funções vitais perdidas ao longo do envelhecimento.

Não é ficção. Existem terapias desse tipo já aprovadas em países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Coreia do Sul e na União Europeia. No Brasil, a Anvisa autorizou, em 2023, o início de um ensaio clínico com células CAR-T para tratar cânceres hematológicos: um passo histórico. Desde 2020, a agência também aprovou terapias gênicas para leucemias, linfomas, mielomas e doenças genéticas raras. O próprio Ministério da Saúde destinou mais de R$ 200 milhões para pesquisas com CAR-T em instituições brasileiras. Esses movimentos mostram que o caminho da amortalidade já está sendo trilhado, ainda que de forma inicial e restrita.

O entusiasmo, porém, não dispensa cautela. Para que essas inovações cheguem com segurança aos pacientes, é preciso uma base regulatória sólida. No Brasil, a Anvisa já publicou normas específicas para produtos de terapia avançada, assim como FDA (EUA) e EMA (Europa) estabelecem critérios para terapia celular, medicina regenerativa e dispositivos associados. Coreia do Sul e Japão também investem pesado em regulações e ensaios clínicos. Esse cuidado não é burocracia: é a garantia de que avanços não virem promessas vazias ou riscos à saúde.

Mas talvez o maior desafio não esteja no laboratório nem na legislação, e sim na sociedade. Viver mais tempo, e com vitalidade, vai exigir mudanças profundas: novas formas de organizar o trabalho, educação contínua ao longo da vida, previdência reestruturada e atenção aos impactos ambientais de populações mais longevas. Também surgem dilemas éticos: quem terá acesso a essas terapias de alto custo? Como evitar que a longevidade seja um privilégio de poucos? Como equilibrar inovação científica e justiça social?

É por isso que precisamos refinar o debate. A imortalidade pertence ao campo da ficção científica, às narrativas mitológicas e às utopias tecnológicas. A amortalidade, por outro lado, é um conceito com base científica, que reconhece nossos limites biológicos mas busca expandi-los com responsabilidade. Mais do que prolongar a vida, trata-se de prolongar a vida saudável.

O futuro da humanidade não está em sonhar com a eternidade, mas em garantir que possamos viver cada vez mais e melhor. Hollywood adora vender a imortalidade como em filmes de vampiro, mas a ciência não compra esse roteiro. É hora de investir no que realmente importa: a ciência da amortalidade.


*Raul Canal é advogado especialista em Direito Médico e Odontológico, Presidente da Anadem, da AAAPV e da Confseg.

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