Ali adiante: o que teremos para ensinar no pós-pandemia?

Por José Octávio Leme

Ali adiante. Depois que as vacinas chegarem a todos e as outras medidas de prevenção tiverem cumprido seu papel fundamental. Assim que a humanidade puder respirar mais uma vez os mesmos ares sem tanto medo guardado no peito. Após dobrarmos a esquina desta pandemia que já nos acompanha há dois anos. Ali adiante, logo depois das tantas histórias que vivemos e seguimos vivendo, teremos muito a ensinar.

Enquanto profissionais de saúde, poderemos falar sobre as muitas famílias que se quebraram para sempre com a ausência daquela pessoa querida que se foi pelo vírus. Ou dos tantos recuperados que vimos saindo pela porta da frente dos hospitais, celebrando uma vida nova que ganharam como um presente a muito custo. Ou das enormes dificuldades para lidar com as longas jornadas, com o temor por nossas vidas e pelas vidas dos que amamos, com a imprevisibilidade do comportamento do inimigo que enfrentamos. Não há quem tenha visto mais de perto o sofrimento causado pela Covid-19.

Enquanto gestores, por outro lado, poderemos nos lembrar dos desafios nunca antes vivenciados por nós. Estivemos em um cenário de guerra sem que pudéssemos enxergar nosso oponente, batalhando às cegas ao mesmo tempo em que as armas se apresentavam. Dia a dia, precisamos fazer escolhas e definir estratégias para proteger nossas equipes e garantir as melhores possibilidades para nossos pacientes. Tudo isso sem um dos fatores mais importantes em uma guerra: o orçamento. Com a paralisação de cirurgias eletivas e outros procedimentos que fazem o fluxo de caixa de instituições de saúde se movimentar, tivemos de buscar recursos e forças em todos os cantos possíveis. Ali adiante, tudo isso será útil.

Hoje, sabemos como gerir melhor nossos leitos disponíveis, ativar e desativar unidades de cuidado intensivo com mais agilidade, aproveitar da melhor maneira a oferta de respiradores, kits de intubação, medicamentos e até das equipes de saúde. Sabemos que, em muitos momentos, é fundamental ter com quem contar fora dos muros dos nossos hospitais, porque estar de braços dados com outras instituições, trabalhando junto, facilita a aquisição de muitos equipamentos indispensáveis nas horas mais complexas da jornada.

Vivenciar essa pandemia foi, provavelmente, o pior momento da carreira de muitos de nós. Noites mal dormidas, preocupações saindo pelos poros, novos problemas aparecendo a cada dia. Em nossa bagagem profissional, agora cabe conhecimentos que, há dois anos, sequer sabíamos possíveis. E o mercado já começa a reconhecer o valor dessa experiência. De acordo com um levantamento do Page Group, que trabalha com recrutamento de executivos, a busca por profissionais administrativos para a área da saúde cresceu 220% apenas no primeiro semestre de 2021, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

O motivo é simples: não há como ensinar na teoria tudo o que aprendemos na prática ao longo da maior pandemia do século 21. Especialistas já alertam que essa não será a última grande crise sanitária dos próximos anos. Ali adiante, ninguém sabe que outros patógenos como vírus e bactérias poderemos descobrir, mas uma coisa é certa: quando isso acontecer, sairá em vantagem qualquer instituição de saúde, pública ou privada, que tenha em seus quadros gestores que vivenciaram a pandemia do Sars-Cov-2.

Recentemente, o filósofo e escritor Ailton Krenak, autor de “Cartografias para Adiar o Fim do Mundo”, disse, em mesa que compunha a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que “a pandemia não vem para ensinar nada”. A pandemia vem para devastar as nossas vidas”. Ele tem razão. Do ponto de vista humano, não há uma só lição “trazida” pela pandemia à sociedade que vale a vida dos muitos que se foram. Diante da perspectiva de novas crises sanitárias, possivelmente mais agressivas, entretanto, os aprendizados administrativos trazidos por essa pandemia serão valiosos.

Ali adiante, quando finalmente pudermos dar por encerrado esse capítulo triste e complexo da história humana, poderemos dizer que enfrentamos um inimigo invisível, com as ferramentas que tínhamos, e que aprendemos com isso a gerir com responsabilidade e consciência os recursos que temos à disposição de nossas mãos e mentes cuidadosas.


*José Octávio Leme é diretor do Hospital Marcelino Champagnat.

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