O que a inteligência artificial nos ensina sobre saúde e bem-estar

Por Cesar Ferreira

Na medicina, quando analisamos relações de causa e consequência, é comum dar um passo atrás para evitar suposições incorretas. Analisando a pesquisa Pulso RH, conduzida pela Alice, me deparei com um dado curioso que ilustra isso: profissionais que utilizam Inteligência Artificial em seu cotidiano de trabalho reportam, em geral, hábitos de vida significativamente mais saudáveis – dedicando mais tempo a exercícios físicos, praticando melhor alimentação e cultivando uma qualidade de sono superior.

Essa correlação aparente me fez ecoar uma máxima popularmente atribuída a Darwin, que captura a essência fundamental de sua teoria evolutiva: “Não é o mais forte que sobrevive, mas sim o mais adaptável às mudanças”.

Será, então, que a IA é o novo boom para a saúde e bem-estar? É tentador fazer essa ligação causal direta, mas a rigorosa cautela científica nos impõe o dever de olhar para além das aparências. Para desvendar essa questão, recorro a um caso clássico da epidemiologia: o debate em torno do café e do câncer de pulmão.

Lembro das discussões em minhas aulas de estatística sobre como, por um período, estudos observacionais apontaram que indivíduos com alto consumo de café apresentavam taxas elevadas de câncer de pulmão. A conclusão precipitada, e compreensível na ausência de mais dados, era que o café era o grande vilão.

Contudo, investigações mais aprofundadas revelaram que a real culpada não era a cafeína, mas sim o tabagismo. As pessoas que consumiam muito café naquela época também eram, predominantemente, fumantes. O café, nesse cenário, funcionava apenas como um marcador, um sinalizador que acompanhava um comportamento de risco subjacente, o hábito de fumar.

O fenômeno era uma correlação robusta, mas confundi-la com causalidade direta era uma falácia lógica que, embora comum no raciocínio popular e até mesmo em algumas interpretações de dados científicos, pode levar a conclusões equivocadas e estratégias de saúde ineficazes.

A IA, por si só, não parece exercer um efeito fisiológico direto sobre o metabolismo ou os hábitos de autocuidado de um indivíduo. O que observamos é que a proatividade e a disposição para adotar, explorar e se integrar a novas tecnologias tendem a se associar a um perfil de enfrentamento de desafios caracterizado por curiosidade aguçada, abertura a novos aprendizados, resiliência cognitiva e uma intrínseca capacidade de adaptação a cenários em constante evolução, além de uma possível disponibilidade socioeconômica que viabiliza esse processo.

Ou seja, a IA pode não ser a causa da melhora nos hábitos de saúde, mas sim um indicador de uma característica mais fundamental e clinicamente relevante: a adaptabilidade. Pessoas adaptáveis, que veem a mudança não como uma ameaça paralisante, mas como um desafio a ser superado e uma oportunidade de crescimento, tendem a ser mais proativas na busca por soluções para seus problemas em todas as esferas da vida, incluindo a gestão ativa da própria saúde. Elas são mais propensas a otimizar seu tempo – potencialmente liberado pela eficiência da IA – e a explorar recursos para o autocuidado contínuo e o desenvolvimento pessoal.

A nossa capacidade de adaptação depende de múltiplos fatores individuais. Há componentes biológicos, como cada um regula a resposta ao estresse — evidência já observada em estudos publicados no JACC (2004) — e também hábitos adquiridos por meio de exercícios, práticas de saúde mental e escolhas de estilo de vida. O ponto central, como mostram as pesquisas, é que hábitos saudáveis e adaptação não seguem uma hierarquia linear, mas formam uma relação dinâmica e recíproca: quem cultiva saúde tende a ser mais adaptável, e quem é resiliente costuma sustentar escolhas melhores para a própria saúde.

Por outro lado, a ideia de que resiliência é apenas uma conquista individual é um mito. Como destacou uma revisão no Lancet Psychiatry (2020), a resiliência também se constrói em redes de apoio familiares, sociais e institucionais. É aqui que entra o papel das organizações: empresas que promovem segurança psicológica, incentivam o aprendizado contínuo e valorizam a experimentação não só se tornam mais inovadoras e competitivas, como também ajudam a proteger a saúde física e mental de seus colaboradores.

Voltando a Darwin, a adaptabilidade se revela, mais do que nunca, uma das melhores estratégias para sobreviver e prosperar. Só que, no século XXI, ela não depende apenas da força individual: é moldada também por hábitos saudáveis, pela forma como lidamos com o estresse e, sobretudo, pelo ambiente que nos cerca. Do cuidado pessoal à cultura das empresas, ser adaptável é investir em saúde, em bem-estar e em futuro.


*Cesar Ferreira é líder médico de Saúde Digital na Alice.

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