Acesso à saúde ainda é entrave em direitos da população LGBTQIAP+

Por Bernardo Rahe

Apesar de todas as vitórias e marcos celebrados no recém passado Mês do Orgulho, que abriga o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+ e reforça as principais pautas do movimento – como o combate à “LGBTQIAP+fobia” e a luta por políticas efetivas de diversidade e inclusão – há um tema latente, ainda pouco discutido em toda sua amplitude, que exige atenção urgente dos setores públicos e privados, em todos os meses do ano: o acesso à saúde da população LGBTQIAP+.

Pensar que o acesso à saúde é um direito garantido por lei desde a Constituição Federal de 1988 pode trazer a falsa sensação de que todos os indivíduos recebem atendimento de forma igualitária e humanizada nos serviços de saúde. Embora a comunidade LGBTQIAP+ seja responsável pela reivindicação por políticas que atendam as especificidades das identidades de gênero e orientações sexuais não hegemônicas há décadas e tenha conquistado a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), em 2011, estudos apontam que membros da comunidade ainda experienciam situações discriminatórias e preconceituosas ao buscarem por cuidados com a saúde.

Esse problema estrutural, pode se manifestar por meio da falta de acesso a determinados especialistas, da dificuldade e/ou negação à realização de procedimentos relacionados à transição de gênero e da recusa do uso do nome social, por exemplo. Nesse cenário, o preconceito pode ser um fator desencadeador e agravante de um processo social e mental característico na comunidade LGBTQIAP+: o estresse de minoria, uma teoria fundada na ideia de que minorias sociais lidam com estressores específicos, e que eles podem atuar como fatores de risco da saúde física e mental desses grupos de pessoas.

Na comunidade LGBTQIAP+, o estresse de minoria pode estar relacionado a uma série de ações prejudiciais para o acesso à saúde, como a negligência aos cuidados de saúde, o uso de substâncias como álcool e tabaco, o desenvolvimento de quadros de depressão e ansiedade, ideação suicida, entre outros. Isso desconsiderando outras doenças não relacionadas ao estresse de minoria sobre as quais os membros deste grupo são mais suscetíveis, como obesidade, doenças cardiovasculares e câncer de mama.

De acordo com o Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil, foram registradas 273 mortes de pessoas LGBTQIAP+ de forma violenta no país, em 2022: 228 vítimas de assassinatos; 30, de suicídios; e 15 por outras causas. As perguntas que ficam são: quantas dessas mortes poderiam ser evitadas e quantas não foram sequer rastreadas por consequência da falta de acesso à saúde?

A falta de informação e de mensuração desse problema é um grande empecilho na inserção desse debate na agenda política. Por isso, é urgente que ampliemos as discussões sobre este tema, removendo estigmas sobre a realidade da comunidade LGBTQIAP+ na formação acadêmica e na prática clínica e fomentando a formulação, atualização e efetivação de políticas públicas de saúde voltadas para o grupo, considerando suas necessidades especificidades.

Como costumo dizer aos meus alunos: “quando vestimos o jaleco, precisamos nos despir de nossos preconceitos”. Somente assim conseguiremos reestruturar os serviços de saúde e a transformar a realidade desse público que ainda enfrenta tantos entraves na obtenção desse direito básico que é o cuidado à saúde.


* Bernardo Rahe é psiquiatra clínico com atuação nas áreas de Saúde Mental da População LGBTQIAP+ e Dependências Química e Não-Química; médico certificado pela Associação Mundial de Saúde Trans; membro da ABP, AGLP e WPATH.

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