Mulheres idosas têm menos acesso ao diagnóstico de câncer de mama
Estudo inédito, realizado pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) em conjunto com a Universidade Federal de Goiás (UFG), revela que a redução do rastreamento para câncer de mama no Sistema Único de Saúde (SUS) entre mulheres com 70 anos de idade ou mais vem contribuindo para elevar o número de casos graves da doença no País. De acordo com o mastologista Ruffo Freitas-Junior, assessor especial da SBM, a situação torna-se ainda mais preocupante, diante da perspectiva de envelhecimento da população. Entre 2010 e 2020, o grupo de brasileiras com 70 anos ou mais aumentou 44%. Para as próximas duas décadas, o IBGE projeta crescimento de 113% neste segmento da população. “É um panorama que, sem dúvida, merece discussões e revisões das políticas públicas que vigoram no Brasil”, afirma o especialista.
O artigo “Rastreamento e diagnóstico do câncer de mama em mulheres idosas no Brasil: por que é hora de reconsiderar as recomendações”, publicado no dia 2 de agosto, na revista Frontiers, aborda um tema controverso e de pouca visibilidade. O estudo, que abrange todas as regiões do País, foi realizado entre 2013 e 2019 e contrapõe brasileiras com 70 anos ou mais e mulheres entre 50 e 69 anos. No levantamento, foram consideradas informações do SUS e uma base secundária de dados obtidos no DataSUS, no Painel Brasil de Oncologia, na Agência Nacional de Saúde Suplementar, no Atlas On-line de Mortalidade e no IBGE.
Autor do estudo, juntamente com Aline Ferreira Bandeira Melo Rocha, Leonardo Ribeiro Soares e Glaber Luiz Rocha Ferreira, Ruffo Freitas-Junior destaca no período avaliado pela pesquisa uma diminuição na cobertura estimada de rastreamento de câncer de mama para mulheres com 70 anos ou mais. “A queda foi de 13,3% para 10,8%”, indica. O especialista ressalta que os anos 2020 e 2021, os mais críticos da pandemia de Covid-19, foram excluídos da pesquisa por representarem estatísticas específicas.
“Com menor rastreamento, constatamos que os casos de câncer de mama nos estágios III e IV, os mais graves da doença, aumentaram 44,3% no grupo com 70 anos ou mais em relação às mulheres entre 50 e 69 anos (40,8%)”, pontua o mastologista.
De acordo com o IBGE, em 2013, a população do Brasil com 70 anos ou mais era formada por 5.978.034 mulheres e aumentou para 7.515.477 em 2019. O número de mamografias aprovadas para pagamento em 2013 e 2019 foi de 296.116 e 274.957, respectivamente, com custo anual total de R$ 12.452.213,50 e R$ 11.390.947,23. “Isso representa uma redução de 7,14% nos exames custeados pelo SUS”, afirma Freitas-Junior.
Os reflexos da diminuição de investimentos são perceptíveis. No período analisado pelo estudo, houve 35.099 mortes por câncer de mama na faixa etária acima de 70 anos. Desse total, 4.179 ocorreram em 2013 e 5.857, em 2019, um aumento de 40,15%. Na faixa de 50 a 69 anos, foram 51.654 óbitos, com 6.565 mortes em 2013 e 8.291, em 2019, crescimento de 26,29%. Proporcionalmente, destaca o especialista da SBM, o número de mortes para o grupo acima de 70 anos foi maior em relação às mulheres entre 50 e 69 anos.
A maioria dos programas de rastreamento em todo o mundo oferece exames de mamografia para mulheres de 40 a 50 anos até 69-74 anos de idade, independentemente do estado físico das pacientes. “No Canadá, na Alemanha e Noruega, os estágios I e II são mais comuns que os estágios avançados III e IV observados no Brasil.” Clinicamente, mulheres mais velhas tendem a apresentar tumores maiores e envolvimento de linfonodos, “provavelmente pelo diagnóstico tardio”, pontua Freitas-Junior.
As diretrizes do Ministério da Saúde para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil desencorajam a mamografia de rotina para mulheres com 70 anos ou mais. “Por outro lado, a SBM, o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia recomendam a mamografia anual para mulheres de 40 a 74 anos”, ressalta. O rastreamento, completa o especialista, também é indicado para pacientes com 75 anos ou mais com expectativa de vida de pelo menos 7 anos restantes.
Embora o estudo tenha sido realizado no contexto de uma faixa etária, Freitas-Junior avalia que a idade por si só não deve nortear o diagnóstico e o tratamento de mulheres idosas com câncer de mama. “Todas as decisões devem levar em consideração a idade fisiológica, a expectativa de vida estimada, os riscos e benefícios e a tolerância ao tratamento”, pontua.
No âmbito das políticas públicas, segundo o especialista, é fundamental buscar a equidade entre as diferentes regiões do País para que todas as mulheres idosas tenham a oportunidade de realizar o rastreamento e o tratamento para o câncer de mama. “Basear a decisão de interromper o rastreamento da doença pela idade cronológica é insuficiente para lidar com a multimensionalidade do envelhecimento em um país tão plural quanto o Brasil”, finaliza Ruffo Freitas-Junior.