O perigo do abuso econômico de patentes na saúde
Por Victoria Francesca Buzzacaro Antongini e Pedro Tinoco
A relativização ao direito de exclusividade de patentes farmacêuticas por meio do licenciamento compulsório é sempre um campo fértil para debates em função da necessidade de equilibrar a proteção dos direitos de propriedade industrial e o acesso a medicamentos essenciais pela sociedade, estando esse tema em destaque na África do Sul em decorrência de ação judicial iniciada por Cheri Nel contra a empresa farmacêutica Vertex, fabricante de medicamento para tratamento da fibrose cística.
Previsto no Acordo TRIPS e na Lei de Propriedade Industrial brasileira, o instituto das licenças compulsórias autoriza terceiros que não os titulares da patente a explorarem aquela tecnologia por período determinado, podendo tal exploração decorrer do interesse público ou do abuso do titular no exercício de seus direitos, por exemplo, pela não exploração da patente ou pela comercialização do objeto da patente que não satisfaz às necessidades do mercado.
Com base no argumento de abuso econômico da patente, tendo em vista o alto valor cobrado pela Vertex para o medicamento Trikafta, Cheri Nel argumenta em sua ação judicial que o governo sul africano deveria instituir a licença compulsória da patente – o que permitiria a produção deste medicamento por outras empresas a preço mais acessível.
Por outro lado, a Vertex argumenta que o investimento em pesquisa e desenvolvimento desse medicamento deve ser retomado por meio da sua venda, sendo também esse o entendimento da legislação internacional que rege o tema, na medida em que o direito de exclusividade concedido ao titular da patente tem como objetivo compensar os investimentos realizados para o desenvolvimento de novas tecnologias de modo a incentivar estudos científicos.
No Brasil, os debates mais acalorados sobre as licenças compulsórias ocorreram em 2007, tendo como objeto o medicamento Efavirenz, o mais utilizado no tratamento da AIDS, tendo sido relativizada a exclusividade do titular na exploração da patente com base no interesse público, de modo a viabilizar o programa nacional de DST/AIDS ao permitir a sua produção por outras empresas à custos menores.
Não há dúvidas de que o licenciamento compulsório é um instituto extremamente sensível no ecossistema da propriedade industrial, motivo pelo qual as normas nacionais e internacionais que regem o tema elencam de forma taxativa as hipóteses em que o direito de exclusividade de uma patente pode ser mitigado.
Tal sensibilidade decorre da necessidade de se equilibrar os interesses público e privado na exploração de uma patente, na medida em que, se por um lado deve se garantir o acesso da sociedade a determinada tecnologia, por outro é importante assegurar à entidade privada a exclusividade na sua exploração de modo a amortizar os investimentos realizados em pesquisa e desenvolvimento.
*Victoria Antongini é advogada do escritório Almeida Advogados, especialista em Propriedade Intelectual e Pedro Tinoco é sócio do escritório Almeida Advogados, especialista em Propriedade Intelectual.