Menos de 1% dos pacientes com diabetes têm acesso ao tratamento cirúrgico
Menos de 1% dos pacientes com indicação cirúrgica para tratamento do diabetes tipo 2 têm acesso a cirurgia metabólica, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). A cirurgia metabólica é uma variação da cirurgia bariátrica, utilizada no tratamento de doenças relacionadas à obesidade, como diabetes tipo 2 e hipertensão. Pesquisadores descobriram, que após a cirurgia metabólica, os padrões alterados de digestão e absorção do intestino disparam a produção de vários hormônios intestinais, especialmente o Glucagon Like Polipeptídeo (GLP-1) que pode aumentar em até 20 vezes após a cirurgia. Esse hormônio estimula as células do pâncreas responsáveis por secretar insulina, o que mantém o nível de açúcar no sangue controlado.
Os critérios para indicação da cirurgia metabólica envolvem avaliação do Índice de Massa Corpórea (IMC) entre 30 e 34,9 (mínimo); idade entre 30 e 70 anos; tempo mínimo de diagnóstico do diabetes em 2 e no máximo 10 anos, devido à dificuldade de remissão do diabetes após esse período; e comprovação de falha do controle da doença com os tratamentos clínicos disponíveis.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Antônio Carlos Valezi, é preciso melhorar e democratizar o acesso ao procedimento e novas drogas que colaborem para o controle da doença uma vez que isso significa economia com as complicações do diabetes no longo prazo e mais qualidade de vida aos pacientes.
“É muito mais barato ter um bom controle da diabetes do que um controle ruim, porque um controle ruim significa tratamentos muito caros para complicações como ataque cardíaco, derrame, diálise, retinopatia. Portanto, se olharmos para o longo prazo, estaremos melhor servindo nossos pacientes e também provavelmente gastando menos dinheiro”, explica Valezi.
Cirurgia custaria centavos na saúde suplementar – Um Estudo de Impacto Orçamentário feito pela SBCBM apresentado para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2019, que visava a incorporação da cirurgia para o diabetes tipo 2 no rol de procedimentos obrigatórios, estimou que o procedimento custaria 10 centavos por mês aos usuários de planos de saúde. Técnicos da agência refizeram os cálculos e encontraram 18 centavos por usuário, apesar de se basearem em estudos oriundos dos próprios planos de saúde que tem se posicionado contrários à incorporação.
“Os novos medicamentos são caros, a cirurgia a curto prazo também é cara, mas com a cirurgia ela dura muitas vezes a vida toda, então ao longo da vida do paciente a cirurgia é na verdade barata. Portanto, precisamos considerar o custo a longo prazo dessas terapias, pois a longo prazo elas geralmente são muito mais baratas”, explica Valezi.
Pesquisas comprovam a eficácia do tratamento cirúrgico – Segundo o coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Oswaldo Cruz e presidente eleito da IFSO (Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos, na tradução do inglês), Ricardo Cohen, estudos e pesquisas firmam o tratamento cirúrgico da obesidade e do diabetes como opções seguras e eficazes. Uma das principais pesquisas de Cohen envolve o acompanhamento por 5 anos de um grupo de 100 pacientes, sendo que 50 foram submetidos à cirurgia metabólica e a outra metade teve acesso aos medicamentos mais modernos e eficazes disponíveis para o tratamento clínico do diabetes.
Publicado na revista científica The Lancet em 2022, o estudo aponta que a cirurgia metabólica apresenta melhores resultados na perda de peso, controle glicêmico e qualidade de vida se comparado aos pacientes que tiveram acesso aos melhores e mais eficazes medicamentos disponíveis após cinco anos de acompanhamento. O controle da doença renal crônica causada pelo Diabetes Tipo 2, foco do estudo, teve resultados altamente eficazes e semelhantes nos dois grupos que participaram do estudo.
A remissão da doença renal crônica e diabetes em pacientes que utilizaram a medicação foi de 52,8%; e em pacientes que fizeram a cirurgia de 63,1%. Além disso, a remissão de microalbuminuria (proteína que, em grande quantidade, indica insuficiência renal) em pacientes com o melhor tratamento medicamentoso foi de 59,6% e em pacientes que fizeram a cirurgia metabólica ficou em 69,7%.
“Sabemos que as novas medicações estão ocupando um espaço e nós precisamos nos posicionar firmemente, porque nós sabemos que cirurgia tem seu lugar. Buscamos que a cirurgia seja reconhecida como uma opção, quando a medicação não tem o resultado ótimo e fundamentalmente mostrar que a cirurgia é muito segura”, explica o cirurgião e pesquisador.
Diabetes no Brasil – O diabetes atinge cerca de 8,9% da população brasileira segundo dados da pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2023, do Ministério da Saúde. Destes casos, 9 em cada 10 são do Diabetes Tipo 2, e estão relacionados ao excesso de peso e obesidade. Apesar da prevalência da doença crescer na média mundial, o acesso e seguimento nos melhores tratamentos clínicos é difícil e a cirurgia para o diabetes tipo 2 ainda não atinge 1% dos pacientes que poderiam ser beneficiados pela cirurgia metabólica.
Segundo a pesquisa, a frequência de adultos que referiram diagnóstico médico de diabetes variou entre 5,6% em Rio Branco e 12,1% em São Paulo. No sexo masculino, as maiores frequências foram observadas em Porto Alegre e no Distrito Federal (11,9%), em Natal (11,6%) e em São Paulo (11,5%), e as menores em Rio Branco (3,5%), Boa Vista (3,7%) e Campo Grande (4,6%). Entre mulheres, o diagnóstico de diabetes foi mais frequente em Fortaleza (13,6%), Campo Grande (12,9%) e São Paulo (12,7%), e menos frequente em Macapá (6,2%), São Luís (6,8%) e Porto Velho (7,0%).