Transformação na análise da provisão técnica de planos

Por Italoema Sanglard

A operação de planos de saúde está exposta a diversos tipos de riscos, e para grande parte deles a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar – exige que as operadoras mantenham reservas financeiras. Para se ter uma ideia da relevância desses riscos, o valor das reservas exigidas das operadoras no fim do ano de 2022 foi de R$ 58 bilhões, enquanto o passivo total era de R$ 224 bilhões. Ou seja, mais de 25% das obrigações futuras dessas empresas referiam-se às reservas que chamamos de provisões técnicas.

Um dos principais riscos que as operadoras estão expostas está no fato de que, geralmente, os planos de saúde são contratados por uma mensalidade fixa pré-definida, que permite ao usuário acessar uma grande rede de profissionais e estabelecimentos de saúde, e pode existir uma demora até que as contas desses atendimentos cheguem para a operadora do plano de saúde. Em contrapartida, todo mês a operadora já sabe o quanto de receita financeira terá pelas mensalidades emitidas, mas ainda não sabe o quanto de despesas com atendimentos de saúde teve, pois muitas contas podem chegar meses depois do atendimento.

Para que as empresas que operam planos de saúde consigam ter uma aferição do seu resultado mensal, elas precisam prever o quanto de despesas de atendimentos já realizados cujas contas ainda não foram apresentadas podem ter. Essa previsão é chamada de PEONA – provisão para eventos ocorridos e não avisados.

Do total de provisões técnicas exigidas das operadoras no final de 2022, 32% referiam-se à PEONA, o que representa um montante de aproximadamente R$ 18,5 bilhões. O que isso significa? Se considerarmos que no mesmo ano as operadoras registraram R$ 271 bilhões em despesas com assistência à saúde de seus usuários, quase 7% desse montante são despesas de contas que ainda não havia chegado para as operadoras.

Esses recursos mantidos pelas operadoras, em especial para a PEONA, poderiam ser revertidos em resultado ou mesmo ser reinvestidos pelas empresas se não estivessem bloqueados para cobrir esses riscos representados pelas provisões técnicas, o que faz da PEONA um assunto muito relevante e conhecido pela alta direção das operadoras de planos de saúde.

Por muito tempo a PEONA foi tratada como um tema estritamente atuarial e contábil, sendo mensurado de forma reativa para fundamentar a contabilização pelas operadoras. Tanto que os cálculos atuariais costumavam ser tratados como a “caixa preta” das operadoras.

Contudo, felizmente, o tema PEONA tem deixado de ser um tema puramente técnico e passa a ser mais constantemente compreendido pelos executivos das operadoras de planos de saúde, que já não se contentam mais com cálculos fechados que não deixem transparecer os fatos que resultaram nas decisões tomadas pelos atuários.

Nesse sentido, a visão gerencial dos fatores que compõem a necessidade de PEONA pode indicar oportunidades de ações, especialmente junto aos prestadores de serviços assistenciais, bem como oportunidades de melhorias de processos internos, para buscar uma redução no tempo que separa o atendimento aos usuários e o reconhecimento dessas despesas pelas operadoras, reduzindo a necessidade de provisionamento pelas operadoras. Essas ações englobam desde mudanças contratuais sobre prazos de apresentação de contas e altas administrativas até modelos de remuneração distintos do modelo por procedimento.

Além disso, contratos com maior abrangência geográfica de atendimento, ou com maior capilaridade de usuários, podem contribuir com uma necessidade maior de provisionamento, o que precisa ser previamente planejado pelas operadoras ao analisarem a viabilidade e expectativa de retorno de novos negócios.

O mundo mudou para os atuários também. Habilidades de comunicação e o uso de ferramentas mais modernas e ágeis passaram a ser essenciais na atuação dos profissionais nesse novo contexto.


*Italoema Sanglard é Gerente Atuarial e Regulatória da Funcional Health Tech.

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