Tratamento cirúrgico é o recurso mais eficaz e seguro para obesidade
Um novo estudo publicado no The Lancet, uma das mais importantes revistas científicas do mundo, acaba de reunir e analisar os melhores tratamentos para pacientes portadores de obesidade e doenças relacionadas ao excesso de peso. Estudo, realizado em parceria com pesquisadores do Brasil, França, Espanha e Austrália, avaliou os tratamentos da obesidade com medicamentos, dispositivos endoscópicos e cirurgias.
Segundo os autores, entre eles o coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Oswaldo Cruz, Ricardo Cohen, a revisão servirá como base para atualizar os profissionais envolvidos no tratamento da obesidade em todo o mundo. Atualmente, mesmo com os novos fármacos que são eficientes e seguros, os procedimentos cirúrgicos ainda são os mais eficazes, com 25% a 30% de perda de peso total a longo prazo. A perda ponderal significativa e duradoura promove controle ou até remissão nas doenças que caminham junto com a obesidade, como o diabetes tipo 2, hipertensão e problemas cardiovasculares e até mesmo certos tipos de câncer.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Antônio Carlos Valezi, o estudo é uma contribuição científica de grande valor para quem atua no tratamento da obesidade e para a nova geração de médicos que virá, tendo em vista que ele compila o que há de mais recente e seus efeitos.
“Esse estudo contribuirá para que cirurgiões e clínicos de todo o mundo possam avaliar critérios e resultados de tratamentos. Sendo um dos coautores, um cirurgião brasileiro e ex-presidente da SBCBM, é motivo de orgulho para nosso país”, explica Valezi.
De acordo com Cohen, essa nova publicação servirá como um guia de atualização para todos os profissionais de saúde que tratam de pacientes portadores de obesidade e de doenças relacionadas ao excesso de peso.
“A obesidade é a epidemia do século. Nesta publicação, nós conseguimos unificar todas as opções terapêuticas para que cada paciente seja tratado de forma personalizada. Não tenho dúvidas que no futuro, o tratamento de doenças crônicas e progressivas como a obesidade, é através da medicina de precisão”, afirma Cohen.
De acordo com os pesquisadores, como todas as doenças crônicas, o controle da obesidade requer uma abordagem múltipla em longo prazo e deve levar em consideração os objetivos, o benefício e o risco de diferentes terapias para cada paciente.
Procedimentos cirúrgicos – Estudos de longo prazo mostraram que os procedimentos cirúrgicos bariátricos geralmente levam a uma perda de peso duradoura de mais de 25% do peso total e a melhora rápida e sustentada nas complicações da obesidade. Um estudo com pacientes suecos, por exemplo, apontou uma perda média de peso corporal total de 27% em mais de 20 anos de acompanhamento após o bypass gástrico.
Diabetes tipo 2 associado a algum grau de obesidade também tem indicação de tratamento cirúrgico através da cirurgia metabólica. A publicação apontou os 13 ensaios clínicos randomizados que mostram controle glicêmico superior e taxas mais altas de remissão do diabetes tipo 2 (quando a doença está totalmente controlada) para pacientes submetidos à cirurgia comparados aos que mantiveram apenas o tratamento clínico do diabetes com medicamentos e insulina. Um ensaio clínico randomizado comparou a cirurgia em pacientes com Diabetes Tipo 2 e mostrou outros benefícios, incluindo remissão da doença renal crônica devido diabetes e obesidade em estágio inicial. Já estudos prospectivos não randomizados, porém com seguimento de 25 a 30 anos, comprovaram a redução de 56% em complicações microvasculares (complicações renais, da retina e dos nervos periféricos) e de 32% de eventos macrovasculares (infartos e derrames).
Segundo a publicação, os benefícios dos procedimentos cirúrgicos para tratamento da obesidade também trazem melhora nos indicadores de outras comorbidades, como problemas cardiovasculares, apneia do sono e na mortalidade.
Medicamentos – A maioria dos remédios antiobesidade disponíveis atua nas vias centrais do apetite para reduzir a fome e a saciedade. Nos últimos 5 anos, os avanços terapêuticos viram o desenvolvimento de tratamentos direcionados para obesidade monogênica e uma nova geração de medicamentos antiobesidade. Esses novos fármacos se mostraram eficazes para perda de mais de 15% do peso corporal total em mais de dois terços dos participantes de ensaios clínicos. Ainda não existem dados de longo prazo sobre segurança, eficácia e desfechos cardiovasculares do uso dessas novas drogas, porém as expectativas são promissoras.
Procedimentos endoscópicos – Os balões intragástricos são preenchidos com ar ou líquidos, restringindo a capacidade gástrica e reduzem a ingestão de alimentos. É uma alternativa de tratamento que dura de 6 a 12 meses. Segundo os pesquisadores, alguns pequenos estudos randomizados controlados examinando balões intragástricos não-ajustáveis encontraram uma perda de peso média modesta de 3,6 kg, comparado com mudança de estilo de vida, como reeducação alimentar e prática regular de atividades físicas. Um outro estudo randomizado recente, desta vez com balões intragástricos ajustáveis, relatou perda total de peso corporal em 32 semanas de 15%. Já a gastroplastia por endoscopia conta com apenas um estudo com alto nível de evidência que demonstrou perda de peso de cerca de 13% do peso total em 1 ano. Para os pesquisadores, é preciso mais estudos a longo prazo para melhor definição do papel dos procedimentos endoscópicos.
Tratamento individualizado da obesidade – A tendência de manejo de todas as doenças crônicas e progressivas, é a utilização de estratégias individualizadas de tratamento. É a medicina de precisão. Os autores da revisão consideram que com o desenvolvimento das novas opções farmacológicas eficazes e com a indicação adequada, individualizada, das cirurgias bariátricas e metabólicas, o futuro do tratamento da obesidade é a combinação do tratamento clínico e cirúrgico para os melhores desfechos para os pacientes
Dificuldade e acesso ao tratamento
Os pesquisadores também refletiram sobre a dificuldade de acesso aos tratamentos da obesidade. Muitos sistemas públicos e privados de saúde não oferecem serviços para controle preventivo da obesidade. Por outro lado, financiam o acesso ao tratamento das consequências da doença, como hipertensão e diabetes tipo 2.
Segundo levantamento da SBCBM, entre 2017 e 2021, o Brasil realizou 311.850 mil cirurgias bariátricas, sendo 252.929 cirurgias, segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), através dos planos de saúde; 14.850 feitas de forma particular; e 44.093 procedimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O número, no entanto, não representa 1% dos pacientes portadores de obesidade que possuem indicação cirúrgica para o tratamento da doença no país.
O Brasil conta atualmente com 7.700 hospitais, em 5.568 municípios brasileiros. Destes, apenas 98 serviços realizam a cirurgia bariátrica e metabólica, sendo que quatro estados brasileiros não oferecem o procedimento. Atualmente Amazonas, Rondônia, Roraima e Amapá não possuem serviços habilitados no SUS para bariátrica.
Para o presidente da SBCBM, o cenário da obesidade no Brasil mudou muito, especialmente depois da pandemia, com a paralisação dos procedimentos e, em contrapartida, o aumento da obesidade e das doenças associadas a ela no país.
“As filas para o acesso à cirurgia bariátrica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aumentaram e, em muitos estados do Brasil, E o número de pessoas que aguardam pelo procedimento é desconhecido pelo sistema público”, reflete Valezi. “Estamos dispostos a contribuir com este processo. A ideia é desenvolver um plano estratégico para a demanda de procedimentos eletivos postergados durante a pandemia, diminuindo o tempo de espera para realização do procedimento cirúrgico”, explica o presidente da SBCBM.