Antes e depois de procedimento médico e a imagem do paciente
Por Thais Maia e Luciana Munhoz
Expor a figura dos pacientes para divulgar técnicas, métodos ou resultados de tratamentos médicos como meio de publicidade sempre foi um grande desafio para os profissionais da medicina. Essa discussão existe em todas as áreas da saúde, mas ao contrário de outras categorias, como os ortodontistas, os médicos são proibidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a fazerem esse tipo de divulgação. Entretanto, as discussões sobre o tema podem ressurgir, tendo em vista uma decisão judicial recente que traz novo precedente sobre a matéria.
Em mandado de segurança, a Justiça Federal do Distrito Federal anulou dispositivo da resolução do CFM nº 1.974/2011, que não autoriza a exposição da figura do paciente pelo médico, como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com autorização expressa do paciente. A decisão autorizou uma cirurgiã plástica a divulgar o seu trabalho e conhecimento na internet, sem sofrer as penalidades impostas pelo seu conselho de classe.
O juiz federal que cuidou do caso, Anderson Santos da Silva, entendeu que a resolução “viola a reserva legal para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”. Ele lembra que a Constituição adotou o princípio da liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, devendo qualquer restrição vir expressamente prevista em lei (art. 5º, XIII). Como bem ressaltado pelo magistrado, a competência administrativa do Conselho Federal de Medicina não abrange a regulação do exercício da medicina em si, pois seria necessária uma lei formal para tanto.
Neste caso, temos que o princípio da legalidade genérica é entendido como garantia ao indivíduo de que sua liberdade e patrimônio só poderão sofrer limitação mediante atos provenientes do Congresso Nacional; o princípio da tipicidade das infrações administrativas se refere ao fato de que órgãos da administração pública, na criação de infrações administrativas e à sua imposição ao profissional, a tipificação somente terá caráter legítimo se o ato tiver, previamente, previsão legal; o princípio da reserva legal se configura no viés de que restrições deverão estar expressas em determinada lei.
Desse modo, foi entendido, pela mencionada decisão, que o CFM não poderá criar infrações administrativas, limitando a propriedade e a liberdade do profissional, sem que, anteriormente, tenha previsão legal acerca da sanção. Além disso, ao considerar o princípio da reserva legal na aplicação do exercício do trabalho, a própria Constituição Federal adota o princípio da liberdade para o exercício laboral.
É importante ressaltar que, assim como em todos os processos judiciais, as sentenças são passíveis de recurso, motivo pelo qual a decisão será objeto de reexame necessário na segunda instância. Além disso, o Mandado de Segurança impetrado foi proposto em âmbito individual, portanto, tem sua validade limitada à médica em questão.
Mas sem sombra de dúvidas, trata-se de um importante precedente, pois a decisão fragiliza os argumentos do Conselho Federal de Medicina, dos Conselhos Regionais de Medicina, e das Sociedades que tratam de especialidades como a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e a Sociedade Brasileira de Dermatologia, que há muito tempo brigam para determinar que o famoso “antes e depois” não possa ser feito., punindo eticamente todos os profissionais que expõem a figura de seus pacientes. Certamente, esse precedente fará com que o CFM revisite, o quanto antes, essa matéria. A atualização das regras é de extrema relevância para os médicos.
Por fim, outra questão fundamental é que, para se utilizar da imagem de qualquer pessoa, é necessário um termo de consentimento com a autorização expressa e escrita, a fim de estarem em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), bem como com as normativas brasileiras. E mais do que isso, é primordial que qualquer imagem divulgada seja real.
*Thaís Maia e Luciana Munhoz são advogadas, Mestres em Bioética (UnB), Gestoras em Saúde (Albert Einstein). Sócias do escritório Maia & Munhoz Consultoria e Advocacia em Biodireito e Saúde.