A nova geração de médicos e a disrupção do setor de healthcare
Por Guilherme Zwicker e André Cripa
O pensamento coletivo ainda mantém o arquétipo do médico homem, de meia idade, usando roupa totalmente branca, com o estetoscópio pendurado no pescoço. Essa visão, porém, começa a se esvair em nossa memória para dar espaço a jovens totalmente adaptados à tecnologia, menos preocupados em acumular dinheiro na esfera privada e mais inspirados em “fazer o bem” na área pública.
A chamada geração Y (os millennials, nascidos entre 1981 e 1999), já começa a fazer parte dos hospitais, laboratórios e clínicas. E a geração Z, aqueles nascidos a partir dos anos 2000, lotam bancos de faculdades, ávidos para revolucionar a medicina.
Eles são os “nativos digitais”, nome dado aos que nasceram ou cresceram em meio a uma miríade de equipamentos eletrônicos, tais como celulares e notebooks, ou tecnologias de informação, notadamente a internet. Pela naturalidade com que utilizam esses recursos, eles têm buscado integrá-los às instituições de saúde e acelerado processos que, até então, avançavam vagarosamente.
Quando observamos o perfil dos médicos atualmente, percebemos que a média de idade é cada vez menor. O estudo “Demografia Médica no Brasil 2020”, parceria do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Universidade de São Paulo (USP), mostra essa tendência. Mais de 85% dos graduados em 2019 tinham menos de 30 anos. E as mulheres não param de crescer nessa profissão: quase metade (46,6%) já é do sexo feminino.
A mesma pesquisa apontou que 78% dos médicos paulistas eram favoráveis à utilização de aplicativos de mensagens na relação com os pacientes – na edição anterior, anos antes, o índice fora de 67%. O levantamento apontou que o prontuário eletrônico já se tornou uma tecnologia incorporada ao cotidiano, com 76% de adeptos.
Os dados corroboram um outro levantamento, este feito nos Estados Unidos pela Publicis Health, que analisou, neste caso, como os chamados Millennials (ou a geração Y, os nascidos entre 1981 e 1999), estão transformando a medicina. Entre as conclusões, 44% dos médicos graduados em 2018 são de minorias raciais e 65% daqueles com 35 anos ou menos são mulheres.
Outro exemplo da adesão às novas tecnologias é a telemedicina, antes restrita à interconsulta. Agora, ampliada, oferece a possibilidade de se fazer o atendimento de forma definitiva e à distância. Segundo estudo da Associação Médica Brasileira (AMB), 59% dos profissionais pretendem utilizar a teleconsulta mesmo com o fim de políticas de distanciamento social. Já de acordo com o Datafolha, 71% dos pacientes que já fizeram consulta online gostaram da experiência. Em outras palavras, todo mundo está se beneficiando.
É preciso lembrar que a medicina é uma área de inovação por natureza, e sempre se alinhou à busca de novos métodos para melhorar o atendimento da população. Na década de 1960, muito antes da popularização do computador, máquinas já eram utilizadas por médicos, principalmente no apoio à construção de estatísticas e modelos matemáticos. E, em meados de 1990, com o advento da internet, que possibilitou a troca rápida de informações em rede, seu desenvolvimento teve novo impulso.
Somente dos anos 2000 em diante, porém, a maior parte da classe médica passou, realmente, a participar dessa evolução. Foi nesta década que os equipamentos ficaram mais baratos, o poder de processamento aumentou e a quantidade de dispositivos cresceu – e invadiu os hospitais. Pouco depois, os nativos digitais começaram a adentrar nas faculdades e, finalmente, presenciamos o encontro entre a medicina, a tecnologia – representada pela internet e pelo smartphone – e seus maiores entusiastas. Hoje, esses jovens já deixaram de ser apenas estudantes e estão em franca ascensão em suas carreiras, muitos deles pilotando suas primeiras startups de saúde.
Esses médicos olham mais para as telas do computador; estão mais familiarizados com as novas tecnologias; comunicam-se melhor e de forma mais rápida com seus pacientes. E, mais do que isso, tendem a ver o paciente de forma mais humanizada, menos paternalista e exercendo a relação médico-paciente de forma a considerar mais as individualidades de cada um.
Esse novo perfil profissional traz também um novo desafio: fora do trabalho, esses médicos encontram um alto nível de satisfação em experiência tecnológica de outras indústrias; mas acabam tendo expectativas frustradas na saúde digital.
Enquanto o videogame parece um filme, a resolução de um exame não é a ideal; enquanto o smart watch mede os passos dados em um dia, o mesmo aparelho não pode ser usado para ajudar o paciente porque falta regulamentação; isso se aplica a redes sociais, à IoT (Internet das Coisas), à Inteligência Artificial, ao armazenamento e processamento de dados…
É um descompasso. Este gap está causando uma disrupção na saúde. Como bem conclui a pesquisa americana, canais confiáveis, painéis de dados acionáveis, comunicação personalizada e ferramentas centradas no paciente estão entre as tentativas do setor de preencher essa lacuna para os médicos millennials e seus pacientes – para alcançá-los no lugar certo, na hora certa.
Vivemos, portanto, um momento interessante e curioso, uma confluência de ferramentas e usuários que deverá acelerar ainda mais o progresso da medicina, bem como impulsionar a adoção de novas tecnologias em seu dia a dia. É, também, uma gigantesca oportunidade para a indústria, que ainda está um passo atrás das vontades e necessidades dessa nova geração. Finalmente, toda a cadeia do setor, de médicos a enfermeiros, de fisioterapeutas a nutricionistas, está envolvida nesse esforço para tornar realidade a saúde digital, em benefício dos pacientes, de seus familiares e de toda a sociedade.
*Guilherme Zwicker é CMIO da CTC e presidente e diretor executivo do HL7 Brasil.
*André Cripa é Chief Innovation e Digital Officer na CTC.