Taxa de mortalidade materna no Brasil cresce por falta de recursos
De acordo com o Relatório da Saúde Europeia divulgado recentemente, todos os países europeus conseguiram alcançar a meta de redução da mortalidade materna. A taxa média no continente é de 13 mortes a cada 100 mil nascimentos, número bem inferior aos 70 por 100 mil estipulados como um dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) pela Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas). No Brasil, a situação é diferente. Conforme dados registrados no Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, em 2021, o País teve média de 107 mortes a cada 100 mil nascimentos. Existe uma diferença muito grande em relação aos países do Velho Continente, acentuada ainda mais pela pandemia.
A chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, Rossana Pulcineli Vieira Francisco, analisa a situação brasileira. Para a médica, a mortalidade materna no Brasil é um problema de longa data. “Nós tínhamos como meta chegar no ano de 2015 a uma razão de morte materna — que é o número de mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos — de 35, e nós não conseguimos atingir essa meta. O novo acordo do Brasil, pensando nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, é chegar ao ano de 2030 com uma razão de morte materna de 30.”
Impactos da pandemia
Nos últimos anos, o Brasil teve um aumento considerável em relação à mortalidade materna, especialmente após a pandemia de Covid-19. “Se a gente falar da razão de morte materna no ano de 2019, antes da Covid, foi uma razão de morte materna de 57, passando no ano de 2020 para uma razão de morte materna de 67 e, no ano de 2021, a razão de morte materna foi de 107″, relata Rossana.
A Covid-19 foi responsável por mais de 1.500 mortes em 2021. Mas as principais causas da mortalidade materna costumam ser outras, como hipertensão, infecção e hemorragia, principalmente a pós-parto.
Fragilidades na saúde
O levantamento dos dados relacionados à mortalidade materna são marcadores sensíveis. O índice pode funcionar para identificar regiões com problemas no trato da saúde. De acordo com a especialista, “quando a gente tem uma razão de morte materna muito elevada, significa que, de alguma forma, o nosso sistema de saúde apresenta fragilidades. Então, a gente pode inferir que os Estados que têm uma razão de morte materna mais alta são aqueles que têm mais fragilidades na rede de atenção à saúde no geral, especialmente à saúde materna”.
A discrepância entre o Brasil e o continente europeu pode ser explicada pela diferença no acompanhamento de gestantes. “A Europa tem trabalhado há muito tempo na qualificação da assistência à saúde da gestante e do recém-nascido, e essa qualificação vai muito na direção das gestações de alto risco. Então, é muito importante que a gente faça o cuidado bem-feito na atenção primária à saúde para as gestações de baixo risco, mas, de outra forma, nós também precisamos ter um olhar especial para aquelas gestações que apresentam hipertensão, que apresentam alguma complicação”, indica Rossana.
As dificuldades encontradas no Brasil passam por diversos fatores, mas principalmente pela falta de recursos e atenção. A médica comenta que, “se nós olharmos hoje as causas de morte materna, elas podem ser divididas entre evitáveis e não evitáveis e a gente vai ver que grande parte das mortes maternas no Brasil é considerada evitável. Por exemplo, as hemorragias, nós ainda temos muitos hospitais pequenos sem acesso a hemocomponentes, a sangue, e, caso aconteça uma hemorragia, vai ser muito difícil conseguir dar a atenção adequada para essas gestantes”.
Rossana relata que o que nós precisamos é uma revisão geral dessa estrutura e dessa rede de atenção às gestantes e puérperas: “Nós não temos no Brasil leitos dedicados à unidade de terapia intensiva para gestantes e puérperas. Então, o que nós precisamos é refletir sobre essa atenção e fazer as mudanças necessárias para que a gente possa ter razões de morte materna inferiores a dez, que é o que a gente vê na Europa”. (As informações são do Jornal da USP)