Fim da isenção de ICMS em SP para insumos e medicamentos
Por Eduardo Muniz Machado Cavalcanti e Giovanna Porfirio
Os insumos e medicamentos hospitalares são facilmente percebidos como produtos essenciais para a manutenção da saúde humana. Diante dessa constatação e a partir do viés do princípio da essencialidade, esses bens atraem os propósitos da baixa carga tributária ou até mesmo de isenção ou alíquota zero, sobretudo em razão dos dispositivos da Constituição Federal que estabelecem uma série de garantias de proteção à vida e à saúde humana.
Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBTP, o Brasil ocupa o 14º lugar no ranking geral dos países com o maior percentual de carga tributária sobre os medicamentos em todo o mundo (índice de tributação, segundo os dados do IBTP é de 34,5% para o país). Além da carga em si, obstáculos operacionais incrementam os desafios enfrentados pelo setor da saúde. Especificamente em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) existem 27 regras de incidência, uma para cada estado, além do Distrito Federal, o que prejudica a compreensão, especialmente das regras instrumentais.
No final do ano de 2020, por exemplo, o Estado de São Paulo editou os Decretos no 65.254 e 65.255, ambos de 2020 para excluir os hospitais particulares de isenções de ICMS sobre medicamentos, insumos e materiais hospitalares, além de modificar algumas normas da tributação. Para além dos vícios formais, o fim da isenção foi determinado quando o setor da saúde enfrenta o maior desafio de sua história, extremamente castigado pela crise sanitária e econômica decorrente da pandemia, que ainda não findou completamente e deixa reflexos de grave impacto.
É equivocada a avaliação de que a rede de saúde privada não tem relação com os desafios suportados pelo Sistema Único de Saúde, sobretudo porque é certo que saúde é preceito constitucional, e o setor absorve demandas originariamente do sistema único e a elevação dos preços da saúde suplementar acarreta incremento das demandas ofertadas pelo SUS. Na prática, além de impor ainda mais dificuldades à prestação de serviços de saúde acessíveis e de qualidade, o fim da isenção do imposto sobre a circulação desses produtos em território paulista gera uma cadeia de efeitos colaterais que afetam as empresas e a tributação pelo país afora.
O Estado de São Paulo concentra grande parte da produção e da distribuição de medicamentos, insumos e equipamentos hospitalares. Com isso, é o ente de origem da maior parcela de circulação desses insumos para outros estados nacionais. Uma empresa de estado distinto, por exemplo, que adquire insumos da indústria ou de importador paulista e a distribui em sua região, por meio de operação isenta (conforme convênio em vigor), a maioria destinada a consumidor final ou não contribuinte do imposto, ao fim e ao cabo registra um acúmulo de créditos de ICMS que, provavelmente, não serão aproveitados por falta de operação tributável subsequente.
Caso o regramento do seu estado conceda direito a isenção e não conte com regras que prevejam hipótese de restituição ou transferência de créditos a terceiros para casos dessa natureza, a isenção revogada em São Paulo ocasiona, indiretamente, uma ruptura da sistemática da não cumulatividade, o que interfere não só em todo o planejamento tributário das empresas, como nos custos e na sua capacidade concorrencial.
O Estado do Paraná, por exemplo, no art. 47 do RICMS/PR apresenta restrição quanto às possibilidades de operações que podem ser compensadas, o que desencadeia a provocação de ilegalidade e de inconstitucionalidade do inciso II do art. 51 do correspondente regulamento, especialmente por trazer uma série de limitações para o aproveitamento mensal do crédito de ICMS adquirido pelo SISCRED.
Não cabe ao Estado do Paraná estabelecer, por meio de decreto ou lei, limitações ao direito de transferência e de utilização de créditos, além da previsão já estabelecida na CF/88 sobre a competência exclusiva da União para disciplinar o regime de compensação do imposto (art. 155, XII, “c”, da CF), principalmente se tal medida inviabiliza a sistemática de incidência do ICMS. A Constituição e a Lei Kandir não autorizam os limites impostos pela legislação estadual em debate. E não o fazem, justamente, com o intuito de assegurar a concretização do princípio da não cumulatividade do referido tributo, conforme já entendeu, em certa oportunidade, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Outro ponto de discussão é sobre a transferência dos créditos de ICMS acumulados, uma estratégia que, se não realizada, ocasiona impactos financeiros negativos em geral. Isso porque, sem a utilização dessa opção, enquanto não há liquidez, o crédito acumulado representa um ativo “parado”, colaborando com a majoração de um lucro fictício e que gera um problema para as empresas sujeitas ao Lucro Real, que recolhem o IRPJ e CSLL a maior.
Óbices impostos pelos entes federativos desta natureza não encontram guarida no ordenamento jurídico e acabam por gerar a situação de insegurança jurídica e estímulo à litigância fiscal. O direito de aproveitamento dos créditos de ICMS constitui um direito subjetivo do contribuinte e, tal impedimento traduz desrespeito ao princípio da não cumulatividade, e por via oblíqua, aumento insustentável da carga tributária.
*Eduardo Muniz Machado Cavalcanti é Advogado sócio do escritório Bento Muniz e Procurador do Distrito Federal.
*Giovanna Porfirio é graduanda em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).