Marketplace nas prescrições eletrônicas: o que avaliar

Por Jomar Nascimento

Você, médico, provavelmente já adotou ou pensa em adotar a prescrição eletrônica. Com ela, a rotina dos profissionais de saúde e também dos pacientes se tornou mais ágil e eficiente. Não há dúvidas que esta é uma tecnologia que veio para ficar, principalmente com a chegada iminente de uma nova onda da pandemia. Entretanto, ainda que a prescrição eletrônica seja amplamente conhecida, os modelos de negócio por trás dos prescritores são desconhecidos pela grande maioria dos médicos e esta é uma realidade que precisa mudar urgentemente.

O motivo dessa urgência se resume em três pontos: 1. Ética; 2. A Nova Resolução do CFM Nº 2.299/2021; 3. A LGPD.

Em 26 de dezembro de 2021, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução 2.299, que regulamenta a emissão de documentos médicos eletrônicos. O artigo 11º diz claramente que “é vedado aos médicos e empresas que emitem documentos eletrônicos indicar e/ou direcionar suas prescrições a estabelecimentos farmacêuticos específicos”. O curioso e relevante dessa regra é que ela vai contra a maioria – mas não todos – os modelos de negócio de prescritores no Brasil atualmente. Com isso, os médicos violam a Resolução, já em vigor, e potencialmente a própria LGPD. Como o médico pode saber disso? Algumas questões que devem ser respondidas:

  1. Quando meus pacientes recebem minha prescrição, surgem para eles ofertas personalizadas daquele medicamento que está na prescrição? (Você, como médico, já parou para pensar se as farmácias deveriam conhecer essas informações, sem o seu consentimento e de seu paciente?)
  2. O seu prescritor ou aquele integrado ao seu software de gestão tem opção de “gratuidade”? (lembre-se da máxima: “se é gratuito, o produto pode ser você”).
  3. Você tem a sensação que os laboratórios sabem o que você está prescrevendo (inclusive a marca do medicamento)?
  4. Existe alguma chance de seu software médico estar integrado a um prescritor, sem que você tenha percebido? (até porque muitas dessas integrações são quase imperceptíveis e você, como médico, não sabe em qual modelo sua prescrição opera). Se você tem dúvidas, pergunte formalmente ao seu fornecedor e se proteja.

Se você respondeu sim a alguma das questões anteriores, é recomendado refletir sobre as tecnologias que utiliza. O fluxo da prescrição eletrônica, quando feito da maneira ética e correta, é seguro e muito prático. Porém, é preciso assegurar que por trás de qualquer tecnologia que você adote no seu consultório ou clínica, existe segurança para você e seus pacientes.

A TISS 4, por exemplo, trouxe uma atualização importante justamente para atender à LGPD. Isso significa que, dentre outros fatos, se o paciente tem um determinado convênio médico, suas informações devem estar seguras. O sigilo e direito à privacidade está previsto em contrato e é uma relação direta. Já no caso dos prescritores, essa relação direta com paciente não existe, portanto é o médico quem deve cuidar para que a solução que ele adote não seja um intermediário que facilite ou mesmo realize a venda dos dados das prescrições.

As farmácias sempre tiveram acesso aos dados das prescrições, até para se gerar um cupom fiscal em nome do cliente. O que não existia nesta equação eram os prescritores que, muitas vezes, manipulam essa informação e rentabilizam seus negócios a partir disso. “São despersonalizados”, muitos dizem. Mas qual seria essa despersonalização que cria ofertas personalizadas para os indivíduos, e ainda: os pacientes autorizaram a coleta de seus dados pessoais e sensíveis ? Você, médico, autorizou esse tipo de acesso aos dados dos seus pacientes para a finalidade de venda de informações pessoais?

Existe uma percepção de que a ação do CFM vem justamente para proteger médicos em um contexto novo, que exige reflexões que antes não faziam parte da sua realidade. Tudo isso acontece em um ritmo tão rápido, que muitos podem cair na armadilha de adotar algum prescritor que aparentemente possa parecer prático, mas na realidade é muito arriscado, devido ao modelo de marketplace adotado. São muitas as opções no mercado que adotaram este modelo, mas não são todas. É hora de questionar se você vai continuar permitindo que vendam seus dados ou se vai fazer diferente.


*Jomar Nascimento é CEO da ProDoctor.

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