O avanço dos “hospitais sem paredes”: inovadores e disruptivos
Por Marcelo Boeger
Os hospitais nunca mais serão os mesmos depois da Covid-19. Da noite para o dia, as instituições de saúde tiveram de adotar soluções a fim de fazer frente às exigências impostas pela pandemia. Muitas delas já existiam, mas enfrentavam resistência tanto de regulações como dos profissionais do setor. É o caso da telemedicina, das visitas virtuais e da revisão de fluxos, que provaram ser eficazes para evitar a transmissão pelo novo coronavírus, devendo agora, junto de outras soluções, a fazer parte do dia-a-dia do setor.
Embora sejam concebidos como ambientes seguros, os hospitais tiveram de revisitar sues processos, por causa da crise sanitária. Um bom exemplo é o conceito do hospital sem paredes.
Além de toda abordagem tecnológica abarcada por esta concepção, prédios projetados com este conceito não estão mais tão engessados a locais, mas atrelados a um design flexível onde uma área pode se transformar em outra com muita facilidade. O método construtivo permite mudar uma sala de espera em enfermaria, uma ala de observação em área de observação cirúrgica e assim por diante. Paredes não são mais limitações. Nesta abordagem deve-se olhar para a utilização, o propósito, a necessidade de cada local no tempo e no espaço.
Hospitais construídos por uma ótica flexível não são uma novidade, mas depois da pandemia passaram a ser uma premissa. Quartos viraram unidades de terapia intensiva (UTIs), enfermarias em quartos, salas de espera em unidades – num piscar de olhos.
Assim como a estrutura física, a revisão de processos praticados há 20 anos tornou-se essencial para a era pós-covid. Graças aos avanços obtidos nos últimos anos, a tecnologia se mostrou uma excelente ferramenta para alavancar esta renovação.
Em meio à pandemia, pacientes suspeitos de Covid-19 foram atendidos por meio de robôs. Munidos de tablets, as maquinas passaram também ajudar a fazer a conexão entre a família e os pacientes internados em alas de isolamento. Em várias partes do mundo, robôs operados de forma remota desinfectaram com eficiência e rapidez superfícies em ambientes usando raios ultravioleta C, sem a presença de um operador.
Ou seja, no hospital sem paredes, os desafios estão mais presentes em usar a tecnologia na operação, nas rotinas, nas jornadas e não exatamente no seu convencimento de sua eficiência – aprovada e escalonada. A barreira da inovação pode ser que não seja tecnológica – mas sim, a cultural.
Carrinhos robôs autônomos – que fazem o transporte vertical para coleta de resíduos, enxoval sujo e transportam carrinhos de alimentos e distribuem roupas limpas nos andares – já estão consolidados há pelo menos dez anos em diversos países. Reduzem significativamente a ineficiência gerada pelos tempos de espera de elevador em itinerários improdutivos e principalmente nas atividades insalubres.
No conceito de um hospital sem paredes, inovador e disruptivo, podemos imaginar também um hospital sem recepção – já em funcionamento em alguns consultórios médicos mais arrojados. Na mesma lógica usada no “check in” dos aeroportos, não é mais necessário ficar em uma fila para a realização de cadastro. O paciente realiza o autoatendimento por meio de um totem ou pelo seu celular que indica a sala de espera e o fotografa. No momento certo, o médico usa o aplicativo para chamar o paciente e, após a consulta, disparar um alerta para o auxiliar de higiene limpar o consultório, que só será liberado após a desinfecção das superfícies. Todas essas ações são muito integradas, de modo a evitar a perda de tempo e baixar custos com profissionais para fins burocráticos.
Reduzir ao máximo o deslocamento do paciente dentro do hospital é também uma das grandes preocupações das institutições por questões de segurança e conforto. Durante a fase mais crítica da pandemia, o maior temor estava associado ao risco de exposição ao coronavírus. Com a transformação do mercado consumidor, quem anda é a informação, e não o paciente. Isso passa a ser uma premissa importante nos serviços prestados.
Senão vejamos. Por que fazer uma pessoa sair do guichê de atendimento e se deslocar a uma central a fim de obter a autorização de seu plano de saúde para um procedimento? Ou gastar horas ao telefone aguardando uma autorização ou senha? A interoperabilidade de dados e de processos deve gerar a resolutividade e dar condições para que todos os trâmites necessários ocorram, de forma invisível e rápida, para viabilizar o atendimento ao cliente.
Isso deve valer para a realização da internação, esteja o cliente em no setor de Internação ou no pronto-socorro. Em um design de serviços arrojado, o paciente internado pode utilizar seu próprio celular para solicitar serviços de alimentação, higiene, rouparia, manutenção, sem acionar a enfermagem. A automação da unidade (IoTs) oferece autonomia para o próprio cliente se servir da tecnologia do quarto. Basta um comando de voz para regular os equipamentos de ar-condicionado, solicitar a alimentação do acompanhante, ligar e desligar o televisor, abrir e fechar cortinas. Pode até se comunicar por vídeo com o posto de enfermagem, farmácia ou serviço de nutrição. Vai muito além do conforto. Só o fato de a equipe de assistência poder entrar em um quarto e apenas por comando de voz, falar: “Acenda a luz central” sem tocar nos interruptores já aumenta a segurança. Assim como um paciente com limitações e sem autonomia.
Além disso, tirar da assistência tarefas não assistenciais (ou fornecer apoio remoto) já demonstra um foco maior no cuidado ao paciente. Detectar a presença dos profissionais que entram em contato com o paciente e registrar o tempo que levou para executar a atividade nos leva a um novo padrão de análise de produtividade e custeio.
Tudo isso aumenta a humanização e devolve horas para a assistência, liberando as equipes para tarefas mais importantes e insubstituíveis, que não envolvem atividades rotineiras, insalubres, com riscos à sua segurança. Só assim os profissionais de “carne e osso” podem cuidar, atender, compreender e humanizar.
Já estão em testes sistemas que permitem ao médico atualizar e conversar com o familiar, de forma remota, para fornecer informações do paciente em UTI. Desta maneira, a pessoa não precisaria ficar horas a fio no hospital a fim de conversar com o especialista e tirar suas dúvidas com uma série de benefícios, dando privacidade ao número de celular dos profissionais que atendem, evitando uso de whatsapp e criando, de forma intensa, um prontuário afetivo, onde o familiar pode oferecer informações sociais e pessoais sobre suas preferências, receios e desejos.
Sem dúvida, a pandemia sinalizou a necessidade de os hospitais se adaptarem aos novos tempos. Embora vivam em constante reformas para se manterem atualizadas, as instituições de saúde estão passando por transformações para atender ao consumidor que mudou e já incorporou ao seu dia-a-dia as novidades de forma irreversível.
*Marcelo Boeger é sócio e consultor da Hospitallidade Consultoria e coordenador científico da Hospitalar.