O Brasil e o protagonismo na vacinação da América do Sul

Por Fábio Leite Gastal

O papel da pessoa vacinada é uma das questões mais críticas da pandemia, que ainda não foi completamente entendida pela população. Após ser imunizado, o indivíduo dificilmente vai desenvolver a forma grave da Covid-19. Mas se for exposto ao vírus Sars-Cov2, pode-se tornar um potencial transmissor do microrganismo. É o que ocorre com adolescentes e crianças. Embora menos sujeitos às formas severas da Covid-19, os jovens precisam ser imunizados para evitar a propagação do vírus.

Dentro desta linha de raciocínio, chamo a atenção para a importância da vacinação da população mundial. Não basta que todos os brasileiros estejam imunizados. Se entrarem em contato com pessoas não vacinadas de outros países, podem se expor ao vírus. E assim se tornarem mais um elo na cadeia de transmissão. Pior: têm o potencial de contribuir para o surgimento de uma variante, capaz de resistir a todas as vacinas existentes.

Não por acaso, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, tem insistido na iniquidade da distribuição das vacinas. Isto porque enquanto a Covid-19 não for erradicada em todo o mundo, assim como ocorreu com a varíola, teremos de lutar muitos anos contra o Sars-Cov2 e suas variantes. Estamos falando de um microrganismo que não é fácil. Ao contrário, provoca uma doença grave, que produz muitas sequelas e leva as pessoas à morte.

Por sua dimensão continental, o Brasil precisa se preocupar com a imunização no entorno do seu território. De acordo com a OMS, a média da população sul-americana totalmente imunizada é de 40%. Mas a situação país a país é bem desigual. Enquanto no Chile e Uruguai 73% das pessoas já receberam as duas doses da vacina, na Argentina esse porcentual é de 49,1%, estando um pouco acima do Brasil que é de 44,6%. Nos vizinhos mais pobres, a média é bem inferior, como apontam os índices da Venezuela (20,8%), Paraguai (26%) e Bolívia (27,9%).

A questão da vacinação do entorno geográfico é semelhante à das crianças e adolescentes. Se tivermos contato com um vizinho paraguaio não vacinado, podemos nos contaminar e agir como o jovem que vai à escola e leva o vírus para dentro de casa. Por isso, o Brasil deve dialogar com a OMS a fim de participar da estratégia de doação ou venda a preço subsidiado da vacina contra Covid-19 aos países mais pobres para erradicar a doença na América do Sul. Poderia ainda usar sua capacitação técnica e sua larga experiência para ajudar a acelerar os programas nacionais de vacinação desses países.

Experiência semelhante foi realizada nas Américas para conter a febre aftosa no continente. Um país ajudou o outro a vacinar o gado para evitar que animais, trazidos de países onde a cobertura vacinal era baixa, contaminassem o rebanho local. Agora existem vários estados brasileiros que não precisam mais vacinar o gado, porque o vírus não circula mais.

Temos de usar esta experiência para erradicar a covid-19. Somos um dos poucos países autossuficientes na produção de vacina. E precisamos nos organizar para nos transformarmos em um país fornecedor de vacinas contra a covid-19 investindo, por exemplo, na Butanvac, do Instituto Butantan, que demonstrou ser segura e capaz de induzir alta resposta imunológica, segundo resultados preliminares da primeira fase de estudos clínicos realizados na Tailândia. O Brasil deveria fazer doações diretas para os países pobres ou reforçar o consórcio da OMS, o Covax Facility.

Também poderíamos doar doses de vacinas para países de língua portuguesa na África, com os quais temos uma dívida histórica por causa da escravidão. Hoje esses países apresentam uma parcela ínfima de vacinados. A Guiné Bissau, por exemplo, imunizou apenas 0,3% da população com as duas doses. Em Angola, esse contingente não chega a 3% e, em Moçambique, equivale só a 5,4%. Só assim poderemos sanar parte desta dívida e fortalecer nossos laços culturais.


*Fábio Leite Gastal é Superintendente de Novos Negócios da Seguros Unimed, presidente do Conselho da ONA (Organização Nacional de Acreditação), diretor acadêmico da Faculdade Unimed e coordenador científico da Hospitalar.

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