Responsabilidade Civil do Anestesiologista e do Cirurgião

Por Décio Policastro

Procedimentos médicos, do mais simples ao da mais elevada complexidade, estão sujeitos a complicações imprevistas por maior que seja a experiência do profissional; por esta razão, cirurgias são indicadas apenas quando há a convicção de que terapias clínicas serão inúteis ou ineficazes.

Qualquer cirurgia que não seja considerada como “pequena cirurgia”, para ser realizada precisa de um cirurgião titular e de pelo menos um assistente, presumido conhecedor da técnica e metodologia empregadas, para o caso de, por alguma circunstância ou necessidade de revezamento, ter de dar continuidade e/ou finalizar o procedimento.

A responsabilidade direta do ato cirúrgico incide sobre o titular, cabendo-lhe escolher ou aceitar o assistente.

Dependendo do porte e natureza da cirurgia, ter ou não a participação de outros assistentes com qualificações especiais é decisão pessoal, que não admite interferências nem restrições suscetíveis de prejudicar a eficiência e a correção dos trabalhos.

O cirurgião titular realiza a cirurgia, direciona a equipe e as etapas daquele ato. Os demais coadjuvantes – médico ou médicos assistentes, anestesiologista, instrumentador, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem, circulante de sala – compõem a equipe desempenhando atividades afins, dentro da esfera profissional que lhes compete. A enfermagem responde ao chefe da enfermagem do centro cirúrgico e o anestesista ao serviço de anestesia do hospital ou a ninguém se for apenas da equipe cirúrgica. Esse grupo de profissionais, habilitados e capacitados, trabalham juntos e harmonicamente em todos os momentos da cirurgia.

O número varia de acordo com a complexidade dos procedimentos: os menos invasivos não exigem equipes maiores como acontece nos de maior complexidade.

Considerando que o ato médico e o direcionamento dos trabalhos pertencem ao cirurgião titular, o primeiro impulso é responsabilizá-lo por acidentes e tudo mais que ocorrer no curso da intervenção, inclusive pela ação individual dos membros da equipe.

Acontece que, ele pode não ter provocado nem contribuído para o desfecho de um resultado indesejado. Com frequência, os componentes da equipe (enfermagem e anestesista) sequer foram escolhidos por ele, sendo profissionais da instituição onde ocorre a cirurgia.

Será preciso, então, distinguir se os danos verificados durante a cirurgia foram ocasionados por médicos e/ou não médicos selecionados pelo cirurgião titular ou cometidos por pessoal vinculado ao próprio hospital. No primeiro caso, responderá civilmente pelo acontecido; no segundo, a responsabilidade recairá sobre o hospital, a menos que a ordem tenha sido mal dada ou executada com a sua supervisão.

Outro personagem importante é o anestesiologista. Não há diferença entre as palavras anestesista e anestesiologista. Ambas se referem ao mesmo profissional, ou seja, o médico especializado em anestesia, habilitado a realizá-la. O ato anestésico incumbe a esse profissional, único qualificado a administrar a anestesia a ser empregada em cada caso e decidir, de modo soberano e intransferível, a conveniência ou não da realização do procedimento anestesiológico.

Uma vez que esse especialista é quem faz a avaliação antecedente à intervenção cirúrgica e verifica se o paciente está em condições de receber a anestesia, toma inteiramente para si a responsabilidade de anestesiá-lo e recuperá-lo. Assume, por conseguinte, obrigação de resultado e responde pelas consequências danosas.

Entretanto, há casos em que ocorrem acidentes anestésicos imprevisíveis dissociados da sua atuação, isentando-o de culpa.

A responsabilidade do anestesista começa antes da operação, a partir de quando faz a avaliação pré-anestésica (período pré-operatório). Neste momento, deve aplicar o Termo de Consentimento Anestésico Informado, esclarecendo o procedimento assim como os riscos inerentes ao mesmo.

Sua responsabilidade, continua durante o ato operatório e permanece até o instante em que o paciente, ainda no centro cirúrgico ou na sala de recuperação pós-anestésica, recupera a consciência e mantém estável as condições vitais, com ou sem auxílio de respirador artificial (período pós-anestésico imediato).

No caso de encaminhamento do enfermo à Unidade de Terapia Intensiva após a abordagem cirúrgica, deve acompanhá-lo no percurso entre o centro cirúrgico e a UTI. Enfim, como em qualquer estágio – pré-anestésico, anestésico e pós-anestésico – podem surgir repentinamente reações anestésicas, tem a obrigação de permanecer com o anestesiado enquanto este não acordar.

A despeito da responsabilidade do anestesista e dos demais integrantes da equipe serem distintas, o cirurgião titular poderá ser responsabilizado solidariamente pelo dano anestésico e pelos erros desta.

Acontece, por exemplo, quando o malefício for causado por seus escolhidos, pois imagina-se que conhecia a capacitação dos selecionados para a tarefa. Essa, aliás, é a crença do paciente, advinda da confiança depositada no médico ao qual entregará a vida e o corpo para a cirurgia.

Quando o dano decorrer da atuação de profissional contratado pelo hospital ou pertencente ao seu quadro de funcionários, a entidade responderá pela reparação civil, reparação essa advinda da presunção de culpa contida na regra de que o empregador responde por seus empregados e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele.

Qualquer procedimento médico, especialmente o cirúrgico, reclama acima de tudo cuidado e concentração.

A troca de lado (erros de lateralidade), membro ou órgão a ser operado, revelam erro grosseiro face a omissão de cuidados que pode ser evitada quando a prudência impera.

A certeza do lugar do corpo onde dar-se-á a intervenção médica é pressuposto elementar para afastar a certa incriminação solidária do cirurgião e da equipe no caso de engano.

Para evitar tais erros e até mesmo a confusão de pacientes, hospitais e profissionais cautelosos adotam rigorosos procedimentos com o intuito de deixar bastante claro quem é o doente, além da marcação do campo em que o procedimento será realizado, de modo a ficar bem visualizado e não permitir dúvida alguma à equipe cirúrgica.

Há instituições que utilizam os padrões de segurança recomendados pela OMS e fazem o reconhecimento do paciente e dos procedimentos mediante preenchimento de questionários, em momentos e pessoal diferentes: na unidade de internação, pela enfermagem; no transporte ao centro cirúrgico, por quem o transportará; na admissão do centro cirúrgico, novamente pela enfermagem.

Antes do início da intervenção, a equipe checa a identificação do paciente, o número do prontuário, o procedimento cirúrgico a ser realizado, a documentação médica necessária (Termo de Consentimento Cirúrgico devidamente aplicado e assinado, prontuário, exames de imagens, laboratoriais etc.), a adequação da montagem da sala operatória, os equipamentos e materiais a serem utilizados (check-list).

A seguir, para reforçar as medidas de segurança, algum membro da equipe faz pausa obrigatória e confirma, em voz alta, os dados do paciente, novamente o procedimento cirúrgico a ser realizado e confere, se for pertinente, a marcação da lateralidade (time-out).

A partir daí dá-se início à cirurgia. O intervalo entre o início da cirurgia e a sua conclusão é chamado intra-operatório. Finalizada, a equipe confere os equipamentos e verifica se não houve esquecimento de instrumental ou material no interior do operado. Por fim, ainda no centro cirúrgico, são relacionados todos os profissionais que participaram do procedimento, colhidos os dados e anotadas eventuais intercorrências (check-out).

Só depois de investigação cautelosa e exame das particularidades de cada caso o cirurgião titular, o anestesista, um ou alguns profissionais, ou a própria equipe poderão ser responsabilizados, solidariamente ou não, pelo evento danoso.

Embora realizado com todo cuidado e observância da melhor técnica, o procedimento pode deixar de atender expectativas e o resultado não ser o esperado. Para não ser acusado de negligência por falta de esclarecimentos pertinentes às peculiaridades da operação e complicações que eventualmente aparecerem, a prudência recomenda ao cirurgião obter do paciente e dos familiares, documento escrito declarando que foram bem informados e prevenidos de intercorrências, próprias da cirurgia (Termo de Consentimento Cirúrgico).

De qualquer modo, paciente e familiares sempre precisam lembrar que, no geral, a atividade médica é de meios e não de resultado.


*Décio Policastro é Advogado em São Paulo e autor dos livros Erro Médico e suas consequências jurídicas; Código de Processo Ético-Profissional médico e sua aplicação; Pacientes e médicos seus direitos e responsabilidades, publicados pela Editora Del Rey.

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