Dados podem revolucionar a assistência oncológica
O que deve ser considerado na hora de fazer as contas para implementar novas tecnologias em saúde? Esta foi a questão que norteou o painel organizado pela Federação Brasileira de Apoio à Saúde da MAMA (FEMAMA) durante o 5º Congresso Brasileiro Todos Juntos Contra o Câncer, no dia 27 de setembro. Realizado em São Paulo/SP, o debate discorreu sobre a importância da produção de dados reais, com qualidade, acerca do objeto de estudo.
André Medici, economista sênior em gestão de saúde do Banco Mundial, abriu o painel explicando três pilares que servem como base para a análise do preço e do valor de tecnologias: melhor saúde para população, melhor cuidado para o paciente e menor custo. Esta ação deve ser pautada pelas métricas, ou seja, pelos resultados clínicos dos ciclos de cuidados; dos custos; da relevância das ações tomadas; do desperdício de recursos; e pelos processos que podem ser eliminados.
Por meio das métricas, podem-se analisar mais precisamente todos os fatores envolvidos no sistema e trabalhar para aprimorá-los. “A confusão entre custo, preço e gastos, que acontece pela falta de conhecimento, impede a melhoria na aplicação de recursos e a consequente redução de atrasos. Faltam metodologias capazes de medir efetivamente o custo em saúde”, afirmou Medici.
O economista apresentou um sistema de custo baseado em atividade orientado por tempo, o TDABC na sigla em inglês. “Integra as distintas etapas do processo de cuidado ao paciente, o custo é analisado com o objetivo de ser otimizado e permite padronizar processos e eliminar etapas que não geram valor ao tratamento”, detalhou.
Como exemplo da aplicação do TDABC, Medici mostrou os resultados conquistados pelo MD Anderson Câncer Center, responsável pelo tratamento de 20% dos casos de câncer do Texas. Por lá, o uso do método culminou na redução de 16% do tempo para realizar tarefas e de 67% nos custos de pessoal profissional, como médico e enfermeiros.
O fator humano também é parte do processo de avaliação para incorporação de tecnologia em saúde e foi tema da fala da Vanessa Teich, professora de Economia da Saúde no Insper/SP. Segundo Teich, primeiramente é importante aceitar que há um limite de investimento e, a partir disto, priorizar assuntos que tragam comprovados benefícios clínicos aos pacientes oncológicos.
“Ponderam-se os custos para pagadores, sejam públicos ou privados. Então, considera-se eficácia, segurança e qualidade de vida, bem como conveniência, impacto e redução de custos”, disse em palestra. A professora de economia expôs, porém, que no Brasil raramente há dados suficientes sobre a repercussão da tecnologia na qualidade de vida dos pacientes.
Esses dados são gerados a partir da observação do efeito do novo tratamento na vida real das pessoas, fora do grupo selecionado para os estudos científicos. Esse é o Real World Data, tema apresentado pelo Dr. Gustavo Werutsky, presidente do Grupo Latino-Americano de Oncologia Cooperativa (LACOG). “Nos Estados Unidos, apenas 3% dos pacientes fazem parte de ensaios clínicos. O que está acontecendo com os outros 97%?”, indagou.
Werutsky ressaltou a importância de registrar os casos de câncer no Brasil, a fim de estruturar um banco de dados que sirva como base para incorporação de novas tecnologias na assistência ao paciente oncológico. “Conhecendo a prevalência de uma mutação, conseguimos avaliar com mais propriedade a validade da implantação de medicamentos e alternativas terapêuticas”.
No Brasil, a notificação compulsória do câncer foi sancionada pelo presidente da república em junho. A nova Lei 13.685 determina toda e qualquer doença e evento em saúde relacionada ao câncer terão notificação obrigatória, nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional.
Gerar dados reais pode mudar a assistência oncológica
A coordenadora de comunicação da FEMAMA, Letícia Cecagno, apresentou os resultados da campanha #PacientesNoControle, na qual foram coletados dados de pacientes com câncer de mama metastático. Dentre os achados, destacam-se os impactos apontados por usuários da terapia combinada (trastuzumabe + pertuzumabe + quimioterapia), que é considerada o padrão ouro no tratamento do câncer de mama metastático HER2 positivo. A percepção do prolongamento da vida foi citado por 90%; da diminuição do tumor, 70%; e da melhora na qualidade de vida, 60%. Apesar de 70% afirmarem ainda sentir os efeitos colaterais do tratamento, todas estavam dispostas a enfrentar estas repercussões para usufruir do medicamento.
As informações coletadas pelo trabalho da FEMAMA serviram de respaldo para argumentação em prol da incorporação do trastuzumabe e do pertuzumabe no SUS. O levantamento serviu para que a instituição pudesse apresentar um documento consistente com dados de vida real de pacientes que seriam impactadas pela inclusão dos tratamentos. Após a consulta, o Ministério da Saúde aprovou, no ano passado, a dispensação de ambos os medicamentos. “As consultas públicas referentes a esses medicamentos estavam entre as que registraram maior participação, em 2017”, revelou.
Luciana Holtz, fundadora do Oncoguia, e Gustavo San Martin, criador da AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose, também levaram seus cases referentes à coleta de dado dos pacientes.
O painel da FEMAMA contou com investimento social da Roche.