Mistanásia, a morte miserável – Evitá-la agora é mandatório

Por Clóvis Constantino

Muito se debate, no mundo da saúde, da ética e da bioética, os chamados conceitos tanatológicos, ou seja, relativos à morte. O brasileiro talvez esteja mais familiarizado com o da eutanásia, que é o ato intencional de proporcionar morte indolor com a finalidade de aliviar sofrimento intenso causado por doença grave, incurável em paciente em terminalidade de sua vida.

Outro é a ortotanásia, que significa não submeter o paciente a procedimentos invasivos fúteis e desnecessários; adotam-se os cuidados paliativos, isto é, alívio dos sintomas e também do sofrimento psicológico, afetivo, emocional e espiritual.

Cuidados paliativos (do latim “pallium”, manto para proteção) significam a atenção multiprofissional baseada em evidências, competente, especializada e humana. Atualmente, há crescente relação com a cultura de adoção do chamado testamento vital, abrangido pelas diretivas antecipadas de vontade, expressando a deliberação de um cidadão sobre o que quer que seja feito (ou não) em caso de eventualmente encontrar-se em processo de terminalidade com doença grave e incurável.

A ortotanásia, em suma, é a compreensão da finitude da vida, das limitações da ciência, do sentimento humanitário que compõe a assistência à saúde e o respeito à autonomia dos cidadãos.

Existe um outro conceito que equivale ao contrário da ortotanásia: a distanásia, que é postergar o processo da morte inevitável, mantendo a vida biológica por meio de procedimentos tecnofarmacológicos obstinados, desnecessários e fúteis. É o sofrimento sustentado pela tecnologia.

Por fim, temos a mistanásia (do grego “mis”, distanciamento, infeliz e “thanatos”, morte), a morte miserável, por omissão, por negligência, por incompetência ou insuficiência na assistência à saúde.

A Constituição traz a inviolabilidade da vida como um dos direitos fundamentais, garantindo a todos a igualdade perante a lei. O SUS, com seus 30 anos de existência, é exemplar, com claros princípios doutrinários –universalidade, integralidade e equidade. O Programa Nacional de Imunizações, transplantes, o pioneirismo do tratamento do HIV, as linhas de cuidados com diabetes e hipertensão, o tratamento contra a hepatite C, o Programa Saúde da Família, a distribuição de medicamentos são exemplos de ações admiradas em todo o mundo.

É claro que há graves problemas, como o sofrimento do povo nas filas, a permanência em macas em prontos-socorros e as longas esperas para consultas com especialistas.

Mas também há progressos, com ações pontuais de gestão para solucionar as dificuldades crônicas que abrangem insuficiência de equipamentos, insumos, recursos humanos e orçamentárias.

Na saúde, é fundamental agir com equidade no sentido de fazer o bem (beneficência) e desenvolver as práticas sem discriminação (não maleficência).

Chegamos a 2020. O planeta se deparou com a Covid-19. Com base no que aconteceu em outros países, o plano concentrou-se em evitar o congestionamento nas unidades de emergência e terapia intensiva por meio das acertadas medidas de distanciamento social a fim de reduzir a velocidade da transmissão do vírus com consequente acúmulo, em curto espaço de tempo, de casos graves. O impacto na opinião pública ao constatar sofrimento e óbitos em larga escala por falta de vagas seria estarrecedor. Sofrimento e cadáveres lado a lado.

Que podemos esperar a partir deste período crítico?

Evitar a mistanásia agora é mandatório; evitá-la sempre significará a tomada de consciência dos agentes públicos em estabelecer prioridades, como a saúde.

Assistência humanitária, financiamento, gestão, valorização e valoração dos profissionais são boa parte do que se espera. Afinal, o cidadão que adoece não é uma máquina avariada que requer reparos; é um ser humano completo.


*Clóvis Francisco Constantino, pediatra, doutor em bioética pela Universidade do Porto, professor de ética médica e bioética da Unisa, primeiro vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, diretor da Associação Paulista de Medicina, membro da Câmara Técnica de Bioética do CFM, foi presidente do Cremesp (2003/2004).

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