Doenças crônicas farão brasileiros de baixa renda os mais afetados pela Covid
Baixa escolaridade e desigualdades sociais são determinantes para elevação da taxa de transmissão e severidade da covid-19 no Brasil e, e em face dessa condição, seria necessário pensar em políticas sensíveis voltadas exclusivamente para a população em estado de vulnerabilidade. É o que sugere relatório produzido pela professora Laura Carvalho, do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, em parceria com outras duas pesquisadoras, Luiza Nassif Pires, da Levy Economics Institute (LEI) e Laura de Lima Xavier, da Harvard Medical School (HMS). O estudo foi elaborado a partir de dados de 2013 da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Laura Carvalho cita no relatório dados de um estudo norte-americano We need class, race, and gender sensitives policies to fight the covid-19 crises, de autoria das pesquisadoras da HMS e da LEI, entre outros, e que mostra que a covid-19 e a severidade dos casos foram maiores na população de baixa renda. Com base nos dados da PNS, a professora da FEA fez uma estimativa da proporção de brasileiros que se enquadrariam no grupo de risco para covid-19. “Além de estarem mais sujeitos à contaminação, os mais pobres estão desenvolvendo quadros mais graves da doença”, disse a professora. O trabalho também sugere que uma das explicações para essa desproporção seja a maior incidência de doenças crônicas associadas aos casos mais graves da Covid-19.
Desigualdades de acesso aos sistemas de saúde
Para a pesquisadora brasileira, tais evidências preocupam ainda mais pelas desigualdades de acesso aos sistemas de saúde. Os dados da PNS indicaram que, entre os 20% mais pobres, 94% não tinham plano de saúde, embora 10,9% se autoavaliassem com saúde regular, ruim ou muito ruim. Entre os 20% mais ricos, esses índices eram de 35,7% e 2,2%, respectivamente. O número disponível de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo era quase cinco vezes inferior para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) – 1,04 leito por 10 mil habitantes – do que para quem tem acesso à rede privada – 4,84 leitos por 10 mil habitantes.
Diante desse quadro que mostra evidências de que a pandemia pode atingir de maneira desigual pessoas mais vulneráveis, a pesquisadora brasileira defende que sejam pensadas políticas públicas específicas para esse grupo. Nesse sentido, Laura Carvalho recomenda que a renda básica aprovada recentemente no Congresso Nacional seja liberada o mais rapidamente possível para garantir à população algum meio de subsistência – e a possibilidade de permanecer em casa com menos risco de ser infectada pela covid-19. Além dessa proposta, Laura Carvalho também é favorável à realocação de leitos do sistema privado de saúde e destinação maior de recursos para o SUS.
Epidemias como motor de mais desigualdade
Não é só a desigualdade que afeta a o modo como uma epidemia é sentida. Uma epidemia de grandes proporções pode deixar marcas socioeconômicas profundas, influenciando a dinâmica de distribuição de renda nos locais afetados. No último dia 2, a professora Marta Arretche, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP falou sobre este tema em um seminário online promovido por Lorena Barberia, também professora da FFLCH.
Conforme explicou Marta Arretche, cada epidemia se espalha de maneira distinta, e esse é o primeiro fator que determina seu impacto socioeconômico. “Uma epidemia em que todos são igualmente atingidos (ricos e pobres), como é o caso das ocorridas na Idade Média, aumenta-se a pobreza, mas se reduz a desigualdade. Já quando só os mais pobres são impactados, a desigualdade aumenta.”
Outro ponto importante é o impacto na capacidade produtiva de cada país. Por causa do número de pessoas que acabam mortas ou doentes, as epidemias costumam ter como consequência o aumento da escassez da força de trabalho, mas não necessariamente diminuem a capacidade produtiva das empresas. Quando isso acontece, um cenário possível é que os trabalhadores possam negociar melhores salários, bem como a regulação das condições de trabalho.
A professora explica que essa é uma condição necessária para redução de desigualdade, mas sozinha não é suficiente – outros fatores também precisam ser observados no modo como cada região é impactada. A peste negra, por exemplo, fez com que a renda do trabalho crescesse na Europa Ocidental, mas não na Europa Oriental.
Quanto à pandemia atual, causada pela disseminação do novo coronavírus, ainda é muito cedo para saber qual será seu impacto na desigualdade no Brasil e no mundo. Porém, uma consequência certa é o aumento da pobreza já no curto prazo. O isolamento social, apesar de necessário, tem um papel direto nisso, uma vez que seus efeitos estão condicionados à desigualdade pré-existente. Por isso, favorecem as pessoas que possuem empregos formais e podem trabalhar remotamente, que possuem reservas de emergência, e que moram em residências de baixa densidade e com acesso à TV e internet. Os demais acabam sofrendo um impacto muito mais duro.
“No cenário atual, causa muita preocupação a velocidade que a pobreza extrema vai aumentar como resultado imediato das estratégias de isolamento social, em comparação à velocidade com que os governos tomarão medidas em relação a isso”, comentou a pesquisadora.