ISS Fixo para médicos e clínicas: o que a nova jurisprudência significa
Por Bruno Resque
As transformações recentes no ambiente regulatório brasileiro têm colocado a gestão tributária no centro da agenda de clínicas, consultórios, hospitais e empresas do ecossistema da saúde. Entre elas, uma discussão ganhou força: a possibilidade de médicos e sociedades uniprofissionais recolherem o ISS pelo regime fixo, e não sobre o faturamento.
Em dezembro de 2025, uma decisão relevante da 2ª Vara da Fazenda Pública de Florianópolis reacendeu o debate ao autorizar uma médica — única sócia e responsável técnica de sua sociedade — a recolher o ISS pelo regime fixo, afastando imediatamente a cobrança baseada na receita bruta.
Embora pareça um assunto restrito ao campo jurídico, na prática este tema impacta diretamente:
- previsibilidade financeira,
- custos operacionais,
- modelos societários,
- estratégia de compliance,
- competitividade de clínicas e consultórios,
- e o próprio planejamento estratégico dos líderes do setor.
É sobre esses impactos — e por que gestores devem acompanhar essa tendência — que este artigo se debruça.
1. O pano de fundo: por que o ISS fixo voltou ao centro da gestão tributária
O ISS, tradicionalmente recolhido sobre a receita bruta, possui exceção legal desde 1968 para profissionais liberais e sociedades uniprofissionais. O Decreto-Lei 406/1968, ainda com status de lei complementar nacional, prevê que médicos que prestam serviços de forma pessoal podem recolher o imposto de forma fixa e anual, por profissional habilitado.
Essa norma, apesar de antiga, tem sido alvo de:
- interpretações restritivas por parte de municípios,
- autuações fiscais,
- disputas judiciais,
- e tentativas de ampliar a base de cálculo do tributo.
O resultado é um cenário de insegurança jurídica que afeta diretamente a sustentabilidade financeira das clínicas, especialmente das estruturas enxutas, orientadas ao atendimento técnico individualizado.
2. O caso de Florianópolis: o que exatamente foi decidido?
No Mandado de Segurança nº 5071155-89.2025.8.24.0023/SC, uma médica — única sócia de sua sociedade limitada — contestou a exigência de recolhimento do ISS sobre o faturamento.
O juízo reconheceu que:
- A médica presta serviços de forma pessoal, individual e técnica, assumindo responsabilidade direta por cada ato profissional;
- A forma jurídica sociedade limitada não impede o enquadramento no regime fixo;
- Há respaldo em precedentes consolidados do STF (Tema 918), STJ (Tema 1.323) e TJSC (Tema IAC 22).
Com isso, concedeu liminar determinando que:
- a partir de janeiro de 2026, o ISS seja recolhido pelo regime fixo,
- a Fazenda Municipal se abstenha de exigir o imposto sobre receita bruta,
- a médica tenha imediato alívio financeiro e previsibilidade para planejar seu exercício profissional.
3. Por que isso interessa aos gestores, CEOs e líderes do setor saúde?
O tema transcende o aspecto jurídico. Ele afeta dimensões centrais da gestão de saúde, tais como:
3.1. Previsibilidade e governança tributária
Modelos fixos de tributação permitem:
- projeção de custos com maior precisão,
- redução de volatilidade financeira,
- maior organização orçamentária anual.
Para clínicas e estruturas que baseiam sua operação em médicos prestadores — inclusive em sociedades com mais de um profissional — a definição do regime de ISS impacta margem operacional e precificação de serviços.
3.2. Modelos societários e estratégias de expansão
A discussão gera reflexões importantes para:
- sociedades uniprofissionais,
- clínicas híbridas,
- operações multiunidades,
- telemedicina,
- estruturas de prestação compartilhada.
Gestores devem compreender que a forma societária pode ser menos relevante do que o modelo de atuação profissional.
3.3. Compliance e relação com o Fisco Municipal
A decisão reforça uma tendência nacional: municípios que restringem o regime fixo violam normas de hierarquia superior.
Para organizações de saúde, isso traz dois movimentos:
- necessidade de revisar enquadramentos tributários,
- oportunidade de corrigir distorções e recuperar valores pagos indevidamente.
3.4. Competitividade e sustentabilidade do negócio
Estruturas médicas que recolhem ISS sobre o faturamento enfrentam, muitas vezes, carga tributária desproporcional ao seu porte ou modelo de operação. Isso pode impactar:
- expansão,
- contratação de equipe,
- investimento em tecnologia,
- aquisição de equipamentos,
- abertura de novas unidades.
O ISS fixo pode, em muitos casos, liberar capital importante para reinvestimento empresarial.
4. A jurisprudência está madura — e os gestores devem acompanhar o movimento
Os tribunais superiores são uníssonos:
- STF – Tema 918: Municípios não podem restringir o regime fixo quando preenchidos os requisitos legais.
- STJ – Tema 1.323: A sociedade limitada não impede a tributação fixa.
- TJSC – Tema IAC 22: O critério determinante é a atuação pessoal e técnica, não a forma societária.
Essa convergência jurisprudencial reduz a insegurança e cria ambiente propício para que organizações da saúde:
- revisem estruturas,
- adequem modelos de negócio,
- atualizem seus programas de compliance tributário,
- e adotem boas práticas de governança fiscal.
5. O que clínicas, consultórios e grupos médicos devem avaliar em 2026?
Aqui estão os principais pontos estratégicos:
- Estrutura societária atual realmente reflete a forma de atuação dos profissionais?
- O ISS está sendo recolhido de maneira adequada ou excessiva?
- Há espaço para revisão de regime tributário ou recuperação de valores?
- A documentação comprobatória de atuação pessoal está organizada?
- A política tributária da organização está alinhada à jurisprudência mais atual?
Essas perguntas se tornaram parte do cotidiano dos líderes de saúde — e, cada vez mais, influenciam competitividade, governança e sustentabilidade.
Conclusão: o ISS fixo é mais do que uma tese tributária — é uma escolha de gestão
A decisão de Florianópolis reforça que o modelo tributário das organizações de saúde precisa ser constantemente revisitado sob o prisma da inovação regulatória, eficiência financeira e conformidade.
Para gestores e líderes do setor, compreender o alcance do ISS fixo — e sua correta aplicação — não é apenas uma vantagem tributária.
É uma estratégia de gestão, governança e sustentabilidade.
O cenário para 2026 exige um olhar integrado entre jurídico, financeiro e operacional. E decisões como esta mostram que há espaço real para alinhar conformidade tributária, eficiência fiscal e competitividade das organizações de saúde.
*Bruno Resque é advogado especializado em Direito Médico, Negócios da Saúde e Tributação e sócio-fundador da Bruno Resque Advocacia e do hub digital LegalMed.
