Câncer do colo do útero: Brasil pode seguir o caminho da Austrália

Por Marcos Maia

A Austrália está a poucos passos de eliminar o câncer do colo do útero como problema de saúde pública. O avanço é resultado direto da vacinação em massa contra o HPV (papilomavírus humano) e de um rastreamento organizado, baseado em testes de alta sensibilidade. O mais recente 2025 Cervical Cancer Elimination Progress Report, publicado em novembro deste ano, confirma a tendência de queda contínua da doença e oferece lições valiosas ao Brasil.

O exemplo australiano

Em 2021, a incidência de câncer cervical na Austrália chegou a 6,3 casos por 100 mil mulheres, abaixo dos 6,6 por 100 mil registrados em 2020. Um marco histórico: pela primeira vez desde o início dos registros, em 1982, não houve casos entre mulheres menores de 25 anos.

Entre as rastreadas, a detecção de lesões precursoras que podem evoluir para o câncer (HSIL) caiu 21%, indicando que a primeira rodada do rastreamento com teste de HPV já havia identificado e tratado boa parte das lesões prevalentes.

A prevalência dos tipos de HPV oncogênicos mais agressivos, 16 e 18, também despencou: 1,4% em 2024, enquanto os demais tipos de alto risco tiveram queda adicional de 6,9% desde 2019. São reflexos diretos da alta cobertura vacinal e do monitoramento constante. A sobrevivência também melhorou: segundo o Departamento de Saúde go Governo Australiano, a taxa em cinco anos subiu de 73,9% (2012–2016) para 76,8% (2017–2021).

Como o país chegou lá

Desde 2017, a Austrália substituiu o tradicional Papanicolau pelo teste de HPV como método primário de rastreamento. A estratégia se consolidou:

  • Até o fim de 2024, 85% das mulheres de 35 a 39 anos já haviam feito pelo menos um teste de HPV.
  • Considerando exames atualizados nos últimos 5,5 anos, a cobertura nacional chegou a 74,2%.
  • Entre 2019 e 2023, mais de 5 milhões de pessoas participaram do programa de rastreamento.

Esses números colocam o país entre os mais próximos de atingir a meta global de eliminação do câncer cervical.

O cenário brasileiro: avanços e desafios

O Brasil vive um momento decisivo. Apesar das desigualdades regionais, o país tem um dos programas públicos de imunização mais sólidos do mundo, e acaba de adotar a maior mudança em décadas no rastreamento do câncer do colo do útero.

O HPV causa cerca de 80% dos casos de câncer do colo do útero e está implicado também em tumores de vulva, pênis, ânus e orofaringe. É uma infecção extremamente comum e transmitida principalmente por via sexual.

A vacina oferecida pelo SUS, gratuita para meninas e meninos de 9 a 14 anos, é a principal forma de prevenção. Em 2024, a cobertura da 1ª dose entre meninas ultrapassou 82%, acima da média global. Entre meninos, a adesão é menor, 67%, mas segue em crescimento. Esses dados são do Ministério da Saúde. Desde 2023, vítimas de violência sexual foram incluídas como grupo prioritário, ampliando a proteção como a publicação da Nota Técnica nº 63.

A experiência australiana mostra que altas coberturas mantidas por anos mudam o curso epidemiológico de uma nação. O Brasil avança, mas precisa chegar aos meninos e às regiões historicamente negligenciadas.

DNA-HPV: uma virada histórica no SUS

Em 2025, começou a ser implantado no país o teste de DNA-HPV como método primário de rastreamento, substituindo progressivamente o Papanicolau. A mudança:

  • aumenta a sensibilidade do rastreamento;
  • estende o intervalo para até 5 anos após um exame negativo;
  • permite autocoleta em populações específicas;
  • identifica mulheres em risco antes que as lesões apareçam.

A tecnologia já está disponível, o desafio agora é garantir acesso, logística e continuidade do cuidado.

A carga da doença no Brasil

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), são estimados 17 mil novos casos por ano no triênio 2023–2025. O câncer do colo do útero permanece entre as principais causas de morte de mulheres jovens. E a desigualdade pesa:

  • Regiões Norte e Nordeste concentram as maiores taxas de incidência e mortalidade.
  • O acesso a exames preventivos e consultas de acompanhamento ainda é irregular.

Perfil da doença

O câncer do colo do útero é, em essência, uma doença evitável. Com vacinação e rastreamento eficaz, ele pode ser drasticamente reduzido. Contudo, as mulheres também devem estar atentas a sinais como: sangramento vaginal fora do período, sangramento após relação sexual, corrimento persistente e anormal e dor pélvica.

Nas fases iniciais, a doença costuma ser silenciosa e por isso a consulta de rotina e o rastreamento são essenciais. O diagnóstico precoce permite tratamentos menos invasivos e com melhores taxas de cura.

As opções de tratamento variam desde a retirada de lesões precursoras até cirurgias maiores e terapias combinadas, como radioterapia e quimioterapia, em estágios avançados.

O diagnóstico precoce possibilita tratamentos menos invasivos e maior chance de cura.

O que o Brasil precisa fazer agora?

Para seguir o modelo australiano e, no futuro, eliminar o câncer do colo do útero por aqui, o país precisa encarar três frentes essenciais:

  1. Expandir a vacinação de meninas e meninos, já que a proteção contra HPV pode evitar até 90% dos cânceres relacionados ao vírus.
  2. Organizar a implantação do DNA-HPV. É fundamental garantir distribuição equitativa, laboratórios capacitados, retorno das pacientes e rápido acesso ao tratamento.
  3. Reduzir desigualdades regionais. Autocoleta e estratégias de educação podem aproximar o rastreamento de mulheres em áreas vulneráveis.

Um futuro possível

A Austrália demonstra que a eliminação do câncer do colo do útero, ou simplesmente câncer cervical, é uma meta realista. O Brasil tem estrutura, tecnologia e um sistema de saúde universal robusto.

O que falta é transformar potencial em impacto concreto, garantindo que todas as mulheres, em todas as regiões do país, tenham acesso às melhores estratégias de prevenção.

A ciência já deu o caminho. Agora, a missão é garantir que cada mulher possa se proteger, se cuidar e viver mais.


*Marcos Maia é fundador do Instituto Maia e chefe do Departamento de Endometriose e Cirurgia Ginecológica da Rede Hapvida.

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