Tecnologia: digitalizar o cuidado é aproximar o paciente da inovação
Por André Castilla
Quando pensamos em tecnologia na saúde, é comum imaginar robôs em salas cirúrgicas futuristas. A verdade é que essa imagem, embora fascinante, não representa o que realmente está transformando a medicina hoje. A revolução acontece em camadas que não aparecem ao paciente: na forma como organizamos dados, integramos sistemas e apoiamos decisões clínicas cada vez mais precisas.
Dados clínicos estruturados, imagens médicas, laudos e registros eletrônicos formam a base do cuidado moderno. Dispositivos vestíveis complementam essa visão ao monitorar sinais vitais em tempo real, fora do hospital e dentro da vida cotidiana. Quando essas informações são unificadas e usadas com propósito, o cuidado deixa de reagir ao problema e passa a antecipar necessidades. Falo isso não apenas como médico, mas como alguém que, desde cedo, transitou entre a medicina e a programação. Essa paixão surgiu ainda na infância e mais tarde me levou da formação em Medicina ao doutorado em inteligência artificial aplicada à extração de informações clínicas.
Segundo o relatório Deloitte Global Health Outlook 2025, o mercado global de saúde digital deve superar 900 bilhões de dólares no próximo ano. O uso de inteligência artificial na saúde deve crescer cerca de 35 por cento ao ano, ampliando aplicações preditivas e automações que permitem decisões clínicas mais rápidas e seguras. Essa tendência confirma algo que sempre observei: não é apenas o ato médico que determina um bom cuidado, mas também a infraestrutura tecnológica que o sustenta.
A próxima etapa dessa transformação está na integração de dados estruturados, imagens e linguagem natural em plataformas que apoiem o raciocínio clínico de forma contínua, como indica o relatório The AI Healthcare Horizon 2025 da McKinsey. e a Gartner prevê que cerca de 30 por cento das decisões médicas em grandes redes já terão suporte desses sistemas até 2026. Percebi esse potencial ainda nos anos 2000, quando entendi como a falta de interoperabilidade limitava a evolução da prática médica e da segurança assistencial.
Mas nenhuma inovação terá impacto real se o cuidado permanecer passivo. Hoje, muitos pacientes com achados clínicos que exigem atenção não retornam para acompanhamento. Em determinados cenários, apenas 4 por cento dos exames de alto risco geram o follow-up necessário. Isso significa diagnósticos tardios, tratamentos iniciados fora do tempo ideal e vidas em risco. Qualquer radiologista já viu o que uma falha de continuidade pode representar.
Quando fluxos assistenciais passam a ser organizados com base em risco e apoiados por tecnologia, esse intervalo crítico diminui. Em redes verticalizadas com as quais tive contato, foi possível reduzir em até 35 por cento o tempo entre o achado de alto risco e o cuidado subsequente, sem aumentar a sobrecarga das equipes. Ao priorizar quem mais precisa no momento certo, a tecnologia amplia a capacidade humana da medicina.
Há também uma mudança cultural em andamento. O paciente de hoje se informa, compara, questiona. Ele não aceita esperar por respostas que poderia receber mais rapidamente. Se não se sentir acompanhado, busca outra porta de entrada no sistema. Comunicação e acolhimento deixaram de ser diferenciais e passaram a ser condições mínimas para adesão terapêutica. Quanto mais digital for o fluxo, maior deve ser o vínculo com quem está sendo cuidado.
Nesse cenário, o Brasil tem uma posição singular. O SUS, maior sistema de saúde integrado do mundo, atende mais de 200 milhões de pessoas. A inteligência aplicada a esse ecossistema tem potencial para gerar milhões de linhas de cuidado personalizadas, transformar a prevenção e remodelar políticas públicas com base em dados reais. Já acompanhei iniciativas na rede pública que demonstraram como a análise estruturada de informação pode mudar desfechos em escala populacional.
Por isso, repito: tecnologia médica não é ficção científica. É infraestrutura, interoperabilidade e boa gestão aplicadas ao que mais importa na medicina: pessoas. Quando tratamos dados como ativos estratégicos, protegidos e usados com responsabilidade, a inovação se traduz diretamente em cuidado. Digitalizar a saúde é aproximar o paciente da melhor decisão possível, na hora certa. É tornar o sistema mais seguro, sustentável e humano.
*André Castilla é médico radiologista, Diretor Médico e Cofundador da Neuralmed.
