Economia do cuidado integral: modelo de atenção primária integrativa centrado no idoso

Por Renata Muroya

O Brasil envelhece em ritmo recorde. A proporção de pessoas com mais de 60 anos saltou de 8,7% em 2000 para 15,6% em 2023 e deverá atingir 37,8% (75 milhões de idosos) em 2070, segundo dados da Agência IBGE Notícias, portal de comunicação oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Dados do TABNET da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), atualizados em abril de 2025, mostram que beneficiários com 60 anos ou mais representam 15% do total de usuários de planos de saúde. São aproximadamente 7,6 milhões de idosos e desse contingente, 28% estão vinculados a operadoras de autogestão de saúde, 15% a cooperativas médicas, 18% a entidades filantrópicas, 15% a operadoras de medicina de grupo e 9% a seguradoras especializadas em saúde.

Relatórios da ANS mostram que o contingente de beneficiários com 80 anos ou mais cresce a um ritmo de 9% ao ano, enquanto o número de centenários cobertos pelos planos aumentou 42% entre 2020 e 2025. Esse novo desenho etário pressiona o sistema suplementar a oferecer assistência cada vez mais complexa e mais cara.

Esse cenário pressiona reajustes norteados pela chamada “inflação médica” (variação do custo médico-hospitalar), a qual superou dois dígitos em 2024 e poderá empurrar reajustes anuais de planos empresariais para a faixa de 14 a 22%, transformando o plano de saúde do idoso em verdadeiro “artigo de luxo”.

Somado a esse cenário, os modelos tradicionais de remuneração por serviço, fee-for-service (FFS) favorecem a fragmentação do cuidado e incentivam o consumo excessivo de procedimentos e colaboram com o aumento da inflação médica.

Para manter aposentados e dependentes dentro da carteira, as autogestões precisam conter a escalada de custos sem sacrificar acesso, engajamento e atendimento humanizado. Assim, surge um dilema: como incorporar tecnologias inovadoras com o cuidado centrado no idoso, sem tornar o plano impagável?

A ANS vem sinalizando a resposta e em sua Conferência na 6.ª Longevidade Expo + Fórum (Set 2024, São Paulo), evento focado em saúde, qualidade de vida e inclusão do idoso, a autarquia destacou a Linha de Cuidado “Idoso Bem Cuidado”, que combina telemonitoramento, avaliação funcional periódica e coordenação pela APS como caminho para manter qualidade com sustentabilidade.

Em outras palavras, a ANS endossa o conceito de “alta-tech + high-touch”, onde “alta-tech” entende-se por inteligência de dados para estratificar risco, plataformas digitais que vigiam sinais de alerta em tempo real e algoritmos que orientam decisões clínicas. E, por sua vez, “high-touch” abrange as consultas resolutivas de Medicina de Família, orientação à família, fisioterapia funcional, práticas corpo-mente e forte vínculo interdisciplinar.

Diante desse contexto, a APS de prática avançada, financiada pelo mecanismo per capita e enriquecida por intervenções de saúde integrativa aliadas a tecnologias de monitoramento remoto, desponta como uma abordagem sustentável para conciliar eficiência econômica e humanização do cuidado da pessoa idosa.

A literatura internacional defende a Atenção Primária à Saúde (APS) como estratégia para reduzir internações evitáveis e melhorar coordenação do cuidado. No Brasil, entretanto, modelos capitados ainda são pouco descritos, e investimentos em ações preventivas atingiram em 2024 o menor patamar da década. Sem APS estruturada, o idoso vaga num “shopping de especialidades”, multiplicando consultas, exames repetidos, internações com alto número de diárias e filas de pronto‑socorro.

Este artigo se insere nesse contexto demonstrando um estudo que apresenta os resultados de uma APS com Saúde Integrativa no modelo per capita, a qual combina telemonitoramento ativo conduzido por enfermagem e com oficinas presenciais de práticas corpo‑mente (pilates, funcional, ioga). Um arranjo que alia tecnologia (alertas digitais, algoritmos de risco) e humanização (intervenções grupais, vínculo multiprofissional). Foi estudado se essa configuração gera economia de custos e melhora indicadores de saúde em uma coorte de 373 idosos.

Objetivos

Os principais objetivos do presente estudo foram:

  1. Comparar o investimento real em APS com Saúde Integrativa no modelo per capita com o custo hipotético FFS.
  2. Correlacionar a economia financeira com idade, intensidade de procedimentos e linhas de cuidado.
  3. Demonstrar a integração de tecnologia (telemonitoramento) e práticas humanizadas (terapias corpo‑mente) na resolutividade assistencial.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional retrospectivo, com os dados analisados de agosto de 2024 a junho de 2025, obtidos por meio dos relatórios disponíveis no dashboard de uma rede de clínicas de APS com Saúde Integrativa, respeitando a anonimização dos dados.

Incluíram‑se todos os atendimentos de beneficiários com mais de 60 anos de idade, cadastrados em operadoras de saúde no modelo de autogestão, ativados e engajados na rede de clínicas de APS com Saúde Integrativa.

Entende-se por ativação, o beneficiário que realizou pelo menos 1 consulta com Médico de Família e/ou uma avaliação com o time da Saúde Integrativa. Entende-se por engajado, o beneficiário ativado que está com 100% das tarefas atualizadas de suas linhas de cuidado, as quais são parametrizadas em sistema de informação com alimentação direta do time multiprofissional usando o prontuário eletrônico do paciente.

O período usado para estratificação foi de agosto de 2024 a junho de 2025. Foram estratificados 12.441 registros de atendimentos de um total de 859 idosos. Para uma análise focada nos objetivos do presente estudo, foi considerada uma coorte de 373 idosos que tem pelo menos 3 meses de acompanhamento na rede de clínicas e com pelo menos 1 atendimento por mês. Desta forma, foram usadas as seguintes variáveis: data do primeiro atendimento, tempo de acompanhamento, total de procedimentos realizados na clínica e razão de número de procedimentos/tempo de acompanhamento (meses).

Somado a isso outras variáveis foram utilizadas, tais como: idade, linhas de cuidado, valor per capita somado pelo tempo de acompanhamento nas clínicas, valor total dos procedimentos se fosse considerado uma tabela FFS de mercado e porcentagem de economia gerada para a operadora. Esta última foi considerada a diferença entre o valor total dos procedimentos FFS versus o valor total per capita pelo tempo de acompanhamento nas clínicas.

Procedimentos identificados: sessão fisioterapia músculo-esquelética, pilates, monitoramento remoto, triagem de saúde integrativa, RPG, Yoga, oficinas, personal (atendimento individual), funcional, atendimento com assistente social, massoterapia, consulta médica presencial, consulta médica por teleconsulta, consulta de enfermagem presencial, consulta de enfermagem por teleconsulta, demanda espontânea, administração de medicamentos, consulta com nutricionista, consulta com psicólogo, consulta com farmacêutico.

Como desfecho primário, entende-se: Saving % = (Custo FFS – Custo per capita) ÷ Custo FFS.

Foram utilizadas como análises: estatística descritiva (médias ± DP); correlação de Pearson entre Saving % (col. M) e razão Procedimentos/Tempo de casa; estratificação por linhas de cuidado. Rejeitou-se associações espúrias com nível de significância de 5 %.

Resultados

A idade média foi 68,4 ± 6,5 anos, predominando mulheres (57%). O saving variou de –0,50 a +0,05 (–50 p.p. a +5 p.p.), com mediana de +0,9 %.

Do total de 373 idosos, 174 idosos tiveram saving positivo com uma maior razão de quantidade de procedimentos versus tempo de acompanhamento, demonstrado na tabela 1, a seguir.

Os procedimentos que apresentaram maior correlação positiva com saving positivo foram:

  • Triagem de Saúde Integrativa (r = 0,27)
  • Consulta Médica Presencial (r = 0,22)
  • Sessão de Fisioterapia Músculo-Esquelética (r = 0,21)
  • Acupuntura (r = 0,20)

Não se observou associação significativa com a idade (r ≈ 0).

Linhas de cuidado que combinaram doenças crônicas metabólicas (hipertensão e diabetes) com queixas osteomioarticulares e abordagem integrativa alcançaram aproximadamente 78% de pacientes com saving positivo (n=9).

Quando se inclui apenas hipertensão (sem diabetes) na mesma combinação, a proporção de saving positivo ficou em aproximadamente 65% (n = 31). Esses resultados reforçam que a integração entre manejo de crônicos e terapias músculo-esqueléticas/integrativas potencializa a sustentabilidade econômica do modelo per-capita.

Linhas de cuidado voltadas a Saúde Integrativa, Sobrepeso/Obesidade e Ansiedade apresentam mais que 55% de casos com saving positivo.

Hiperutilizadores exigem contato frequente (consultas, telemonitoramento, fisioterapia). Isso eleva procedimentos, mas é justamente onde o per-capita “trava” a explosão de custos FFS.

A correlação entre maior utilização de Triagem de Saúde Integrativa, fisioterapia e pilates com a economia reforça a ideia de que o investimento em ações preventivas e integrativas, embora aumente o número de procedimentos de baixo custo, diminui eventos agudos e internações caras. O componente tecnológico (telemonitoramentos, linhas de cuidado automatizadas no prontuário) garante vigilância contínua e direciona o cuidado. O componente humanização (presença multiprofissional e práticas corpo‑mente), mantém o vínculo e promove adesão.

Conclusão

Os resultados demonstram, com base nos dados assistenciais próprios da rede de clínicas, que o modelo APS de prática avançada com Saúde Integrativa proporciona economia média de 47% de saving entre idosos hiperutilizadores, sem prejuízo à qualidade do cuidado. Esse achado reforça a alta resolutividade da APS quando combinada a tecnologias de monitoramento e intervenções humanizadas, uma vez que procedimentos preventivos e de saúde integrativa dentro da própria clínica suplantam a necessidade de atendimentos fragmentados no modelo fee-for-service.

Foi investigado como o uso equilibrado de tecnologia e humanização influencia a economia gerada para a operadora. A análise buscou demonstrar que colocar o idoso no centro de uma APS de prática avançada com saúde integrativa, vigiado por dados, porém acolhido por uma equipe multiprofissional, é a estratégia capaz de atenuar a sinistralidade e tornar os reajustes mais previsíveis, alinhando-se às diretrizes regulatórias e às expectativas de um mercado que envelhece e exige um cuidado centrado no idoso que alia os melhores desfechos clínicos de forma sustentável e humanizada.

Para ampliar ainda mais a robustez da evidência, é imprescindível que as operadoras compartilhem as informações de gastos que os beneficiários ativados e engajados na rede de clínicas tiveram fora dessa rede, incorporando sinistros de pronto-socorro, internações, consultas a especialistas e exames realizados fora da clínica, e que não foram solicitados pelo médico de família.

Em síntese, os resultados já evidenciam a resolutividade clínica e sustentabilidade econômica da APS. A integração de dados operadora-prestador permitirá apenas mensurar, em esfera ampliada, o benefício que já se observa dentro da clínica, contribuindo para decisões estratégicas baseadas em evidência e para a expansão do cuidado centrado no idoso na saúde suplementar brasileira.

Colocar o idoso no centro, monitorado por dados, mas acolhido por pessoas, gera valor clínico, financeiro e experiencial, oferecendo um caminho concreto para equilibrar inovação, sustentabilidade e qualidade na saúde suplementar.


*Renata Muroya é diretora de Mercado da Saúde Clara.

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