Cibersegurança e LGPD: como reduzir riscos e ampliar confiança

Por Letícia Piasecki Martins

A transformação digital do setor de saúde, especialmente no âmbito das clínicas médicas, tem ampliado a eficiência do cuidado, a interoperabilidade entre sistemas e a capacidade de resposta das instituições. No entanto, essa evolução traz consigo um desafio igualmente relevante: a necessidade de proteger informações sensíveis.

Em razão de sua natureza, os dados de saúde são classificados pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) como “sensíveis”, exigindo tratamento mais rigoroso, medidas reforçadas de segurança e processos organizacionais próprios. Em um ambiente cada vez mais digitalizado, clínicas médicas tornam-se alvos privilegiados de ataques e incidentes, o que exige estrutura técnica, maturidade institucional e uma cultura consistente de segurança da informação.

A crescente informatização de prontuários, telemedicina, prescrições digitais e plataformas integradas ampliou significativamente o risco de fraudes, invasões e acessos indevidos. Hoje, clínicas e operadoras convivem com tentativas de captura de dados, falsificação de identidades médicas, solicitações indevidas de reembolsos, uso de engenharia social para obtenção de senhas, manipulação de credenciais de pacientes e disseminação de links fraudulentos que simulam comunicações legítimas.

Trata-se de fenômeno global, decorrente do alto valor econômico que informações de saúde têm em mercados ilícitos, além da própria fragilidade emocional e privada que tais dados representam. A regulação setorial acompanha essa preocupação: a Resolução Administrativa nº 81/23 da ANS estabelece diretrizes obrigatórias de segurança da informação, impondo controles de acesso, termos de responsabilidade e sigilo inclusive para terceiros que tenham contato com dados regulados pela Agência. O cenário demonstra que o tema deixou de ser acessório e passou a ocupar posição central na governança das instituições de saúde.

Nesse contexto, a proteção de dados em clínicas médicas demanda muito mais do que investimentos em tecnologia. Ela exige a construção de rígidos protocolos de governança que envolva políticas internas claras, definição de responsabilidades, gestão de riscos, processos de consentimento bem estruturados, controle de acessos e monitoramento contínuo. É indispensável que cada instituição compreenda que segurança da informação não se limita a sistemas robustos, mas depende de pessoas treinadas, fluxos internos adequados, contratos bem redigidos e supervisionados, bem como processos de auditoria permanentes. A integração entre áreas – jurídica, compliance, TI, desde o primeiro contato com o paciente por recepcionistas e secretárias até a direção clínica – torna-se um requisito para assegurar conformidade e fortalecer a confiança do usuário.

A LGPD, ao disciplinar o tratamento de dados pessoais sensíveis, transformou a privacidade em um componente de governança obrigatória. A lei impõe ao agente de tratamento o dever de demonstrar conformidade e de adotar medidas proporcionais ao risco da atividade, em especial por meio de relatórios de impacto, designação de encarregado, políticas formais, revisão de contratos com fornecedores e implementação de controles preventivos desde a concepção dos processos.

Longe de restringir a inovação, a LGPD confere previsibilidade, incentiva práticas seguras, fortalece a relação médico-paciente e estimula investimentos em soluções tecnológicas confiáveis. Para clínicas médicas, a conformidade deixou de ser mero requisito regulatório e passou a integrar a dinâmica da própria prestação de serviços, influenciando reputação, sustentabilidade e desempenho operacional.

Há, contudo, um aspecto frequentemente negligenciado: a corresponsabilidade do próprio paciente na segurança digital. Muitos incidentes decorrem de comportamentos inseguros dos titulares, como o compartilhamento de códigos de autenticação, o envio de documentos médicos por canais informais, o clique em links suspeitos, a instalação de aplicativos não oficiais ou o fornecimento de credenciais a pessoas mal-intencionadas que se passam por atendentes ou representantes de planos de saúde. Esses comportamentos, considerando a aplicabilidade do CDC, podem configurar culpa exclusiva do consumidor, rompendo o nexo causal em caso de incidente e afastando a responsabilidade da clínica ou da operadora.

Por isso, além das medidas internas, as instituições precisam investir em comunicação preventiva e educação digital contínua, adotando modelos de segurança baseados na experiência do usuário, com mensagens educativas, alertas de acesso, autenticação multifatorial e sistemas que orientem automaticamente o paciente a práticas mais seguras, na medida em que estamos diante da responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de culpa.

A conscientização do usuário é um dos pilares para a redução de fraudes. Os pacientes devem ser instruídos a reconhecer sinais de alerta, como cobranças de procedimentos não realizados, alteração não solicitada de dados cadastrais, links encaminhados por fontes duvidosas, pedidos de senhas ou códigos de verificação por WhatsApp, e notificações de acesso desconhecido em suas contas.

Tecnologias como inteligência artificial, interoperabilidade nacional, big data assistencial, prontuários integrados e telemedicina avançada tendem a expandir exponencialmente o volume e a sensibilidade das informações tratadas por clínicas médicas. Esse cenário amplia oportunidades assistenciais, aprimora diagnósticos, viabiliza medicina personalizada e reduz custos operacionais. No entanto, também potencializa riscos de ciberataques, vieses algorítmicos, e aumento da sofisticação das fraudes.

Em síntese, para clínicas médicas, proteger dados não é apenas uma obrigação jurídica: trata-se de preservar a confiança que fundamenta a relação médico-paciente e de garantir a continuidade do cuidado em um ambiente digital que combina oportunidades de inovação com riscos cada vez mais complexos à privacidade.


*Letícia Piasecki Martins é sócia do Meira Breseghello Advogados e membro da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB São Paulo.

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