Testamento Vital: proteção e garantia das vontades do paciente

Por Júlia Mauad

Em um cenário de avanços contínuos na medicina e crescente valorização da autonomia individual, a discussão sobre o planejamento do fim da vida ganha relevância inquestionável. O Testamento Vital, formalmente conhecido como Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), emerge como um instrumento jurídico e ético fundamental. Ele permite que qualquer pessoa, em pleno gozo de suas faculdades mentais, determine previamente os tratamentos de saúde que deseja ou não receber, caso se encontre em situação de incapacidade de expressar sua vontade.

No Brasil, a ausência de uma lei específica que regulamente o Testamento Vital não o torna inválido ou ineficaz. Pelo contrário, sua fundamentação jurídica reside em princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, da Constituição Federal) e a autonomia privada (Art. 5º, II). O principal marco regulatório para a classe médica é a Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM) , que, embora não seja uma lei em sentido estrito, possui força normativa para a categoria e serve como um importante balizador para a aplicação das DAV. Esses princípios asseguram ao indivíduo o direito de decidir sobre seu próprio corpo, inclusive para recusar tratamentos que apenas prolonguem artificialmente a vida em situações irreversíveis.

A Resolução do CFM estabelece que o paciente pode registrar, por escrito, suas vontades quanto aos cuidados médicos, detalhando os procedimentos que aceita ou recusa, de modo a evitar ambiguidades futuras. O documento deve ser elaborado de forma clara e objetiva por escrito, preferencialmente com a presença de duas testemunhas, e registrado em cartório por escritura pública, conferindo-lhe maior segurança jurídica. As DAV prevalecem sobre a vontade de familiares e, via de regra, sobre o parecer médico, desde que não violem o Código de Ética Médica. Além disso, é aconselhável revisar o documento periodicamente, especialmente após eventos significativos na vida, como o diagnóstico de uma nova doença ou mudanças de valores pessoais.

A jurisprudência brasileira, embora ainda em fase de consolidação, tem se mostrado favorável à validade das Diretivas Antecipadas de Vontade. É importante notar que, embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) demonstre uma tendência de flexibilizar as formalidades dos testamentos patrimoniais para preservar a vontade do testador, a discussão sobre o Testamento Vital ganha contornos específicos . Um marco interpretativo fundamental é o Enunciado 597 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF) , que, embora sem força de lei, representa entendimento doutrinário consolidado e serve de guia para juízes e tribunais. O enunciado afirma: “É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também chamado de testamento vital, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade.”

Essa orientação reforça a legitimidade das DAV no ordenamento jurídico brasileiro, oferecendo maior segurança tanto para pacientes quanto para médicos. A doutrina especializada reconhece as Diretivas Antecipadas de Vontade como instrumento de efetivação da autonomia privada e do direito à morte digna, permitindo ao indivíduo preservar sua vontade mesmo em situações de vulnerabilidade extrema . Tal entendimento ganhou ainda mais relevância após a pandemia de Covid-19, quando houve um aumento significativo nos registros de Testamentos Vitais no Brasil, evidenciando maior conscientização sobre a fragilidade da vida.

Mais que um documento jurídico, o Testamento Vital é expressão de autonomia e dignidade. Ao elaborá-lo, evita-se a sobrecarga emocional de familiares diante de decisões críticas, assegurando, assim, o respeito às escolhas do paciente e garantindo que sua passagem ocorra de forma condizente com seus valores e convicções.


*Júlia Mauad é Acadêmica do Poletto & Possamai.

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