Paradoxo da biotecnologia: quando a ciência não chega ao paciente

Por Marina Domenech

O Brasil se destaca globalmente pela sua produção científica em biotecnologia, detendo cerca de 13% dos artigos publicados mundialmente na área. Por trás desse dado que corrobora nossa excelência acadêmica, no entanto, há um paradoxo preocupante: o conhecimento raramente se traduz em inovações que chegam ao mercado e, mais importante, aos pacientes. Em um cenário global em que menos de 10% das descobertas acadêmicas em biomedicina alcançam a fase de desenvolvimento clínico e apenas 1% chega efetivamente ao mercado, no Brasil isso vai além da estatística: trata-se de uma lacuna estrutural que impede o pleno desenvolvimento da saúde e da economia.

A ineficiência na translação do conhecimento científico para produtos e serviços é a principal barreira para escalar a inovação em saúde no país. Dados indicam que mais de 70% das startups e spin-offs biotecnológicas nacionais estagnam precisamente no momento da transição para as etapas clínicas e regulatórias , o chamado “vale da morte” da inovação. Um reflexo do modelo atual, excessivamente focado na produção acadêmica sem um planejamento robusto para a sua aplicação prática. Um problema que não é novo, mas é persistente.

Uma das consequências é o que chamamos de fuga de cérebros. Todo o conhecimento e o potencial de inovação gerados localmente acabam migrando para o exterior, onde nossos cientistas encontram a infraestrutura e o financiamento necessários para desenvolver suas pesquisas junto a universidades, centros de pesquisa e empresas estrangeiras. Essa inovação, uma vez consolidada, retorna ao Brasil em forma de produtos, terapias e tecnologias com preços inacessíveis para a maior parte da população e para o sistema público de saúde. Em resumo, exportamos nossa matéria-prima mais valiosa , o conhecimento e importamos a inovação a um custo altíssimo, perpetuando uma dinâmica de dependência.

Outra conta cara ao Brasil é a dependência externa de insumos farmacêuticos ativos (IFAs). Atualmente, mais de 90% dos IFAs utilizados no país são importados, configurando uma vulnerabilidade crônica que expõe nosso sistema de saúde a flutuações cambiais e a decisões geopolíticas globais. Em 2023, essa realidade gerou um déficit de US$ 20 bilhões no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que os produtos biológicos corresponderam a 45% do gasto total com essas importações, mesmo representando apenas 5% do volume total. Esses números não só evidenciam a fragilidade do modelo atual, mas reforçam a urgência de reorientar nossas estratégias de inovação.

Essa desconexão entre a pesquisa científica e as demandas do mercado não se deve apenas à falta de infraestrutura física, mas também a um problema de mentalidade. A ciência e o mundo financeiro ainda são vistos em extremidades opostas, desconectadas por propósito e lógica. Muitos projetos nascem da paixão, mas ignoram questões fundamentais de viabilidade prática e econômica.

Por isso, é urgente conectar o conhecimento acadêmico ao olhar financista. Projetos inovadores precisam, desde o seu início, ter um plano de negócio que coloque a ciência, o sistema de saúde e o mercado na mesma esteira. Afinal, a inovação em saúde precisa de investimento para escalar e gerar impacto real na sociedade; e, para atrair esse investimento, deve existir uma perspectiva clara de retorno (ROI), não apenas para investidores, mas especialmente para pesquisadores, garantindo que o ciclo de inovação se feche de forma financeiramente sustentável.

Em um país onde o tempo entre a ideia e o impacto não pode mais se dar ao luxo de ser longo, precisamos estruturar nossos projetos de inovação como ativos de valor, com métricas, tração e estratégia desde o dia zero. A desconexão entre a bancada do laboratório e a prateleira da farmácia custa caro ao Brasil – em vidas, em dinheiro e em oportunidades de liderança global.

É hora de construir as pontes necessárias para que nossa ciência, em toda a sua excelência, chegue ao paciente de forma real, sustentável e financiável, consolidando uma nova cultura de inovação em saúde no Brasil e na América Latina.


*Marina Domenech é CEO e fundadora da SAIL for Health.

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