Teste de autocoleta de HPV: um caminho contra o câncer cervical
O câncer do colo do útero ainda é uma realidade preocupante no Brasil: estima-se que cerca de 10 milhões de brasileiras estejam infectadas pelo papilomavírus humano (HPV), e quase 100% dos casos de tumores cervicais têm relação com os tipos de alto risco do vírus, especialmente 16 e 18. Embora a conscientização sobre a doença seja crescente, o grande desafio permanece: como garantir que mais mulheres se engajem na detecção precoce de forma segura, eficaz e confortável?
As novas tecnologias de testes de HPV, especialmente os de autocoleta, representam um avanço promissor na prevenção do câncer cervical. No final de agosto, o Sistema Único de Saúde (SUS) anunciou a incorporação de um teste nacional de HPV no modelo PCR — ainda sem autocoleta — reforçando o rastreio da doença e marcando um progresso importante para a saúde pública. Já na rede privada, a Dasa lançou recentemente o teste de HPV de autocoleta, que permite que a mulher recolha a amostra no conforto de casa, com privacidade, ou ainda em consultório ou laboratório, com a orientação de um profissional.
Diferentemente do PCR para Covid, o resultado não é imediato: a amostra precisa ser coletada corretamente, armazenada de forma adequada e enviada ao laboratório para análise. Ainda assim, a possibilidade de autocoleta facilita o acesso e aumenta a adesão, especialmente para aquelas que sentem desconforto ou constrangimento com procedimentos convencionais.
Um estudo prospectivo publicado em janeiro de 2025 no site científico Scientific Reports analisou 1.588 mulheres submetidas a colposcopia na China, comparando amostras de urina e de fluídos vaginais autocoletadas com as cervicais, colhidas por médicos.
Os resultados mostram que a autocoleta vaginal apresentou sensibilidade de 90,6% e concordância de 85,7% em relação às amostras tradicionais (amostras cervicais coletadas por profissionais de saúde durante o exame ginecológico como o Papanicolau ou coleta específica para teste de HPV), enquanto a urina apresentou sensibilidade de 86,7% e concordância de 78,1%. Para os tipos de HPV mais cancerígenos (16/18), a concordância foi ainda maior, acima de 92%. Isso significa que a autocoleta é uma ferramenta confiável, capaz de detectar lesões pré-cancerosas de forma segura e precisa.
Além da precisão, há o fator humano: possibilitar que a mulher realize o exame em um ambiente familiar, de sua escolha, diminui a ansiedade e o medo que muitas sentem na realização do procedimento. É uma forma de cuidado que vai além da saúde física. Ao mesmo tempo, a presença de profissionais, mesmo remotamente ou em laboratório, garante que o processo seja correto, seguro e que a amostra chegue com qualidade para a análise.
A combinação entre conscientização, acesso facilitado e tecnologia avançada tem o potencial de salvar vidas. O rastreio regular, aliado à detecção precoce por testes confiáveis, é capaz de identificar lesões antes que evoluam para câncer, reduzindo drasticamente a mortalidade. Essa é a oportunidade de fomentar, ainda mais, a prevenção em um ato cotidiano, simples, seguro e acessível.
Estamos mais próximos de um cenário em que a detecção do HPV não seja um obstáculo, mas uma prática natural de cuidado pessoal. A ciência nos dá as ferramentas; agora, cabe a cada uma de nós usá-las sem medo, com autonomia e consciência.
*Maria dos Anjos Neves é ginecologista do Delboni Salomão Zoppi.
