A essência do cuidado: um novo olhar sobre o ato médico
Há algo na prática médica que transcende o gesto técnico. É o olhar atento, a escuta paciente, o silêncio que antecede a palavra certa. Cada anamnese é um exercício de sensibilidade e de discernimento: compreender o que é relevante na história, entre exames e relatos, e decidir com responsabilidade diante da singularidade de cada pessoa.
Ser médico é entender que a ciência orienta nossas condutas, mas nem sempre acompanha o tempo da vida. A ciência avança em ritmo próprio, em laboratórios e em publicações; já a medicina exige decisões imediatas, na presença do paciente, diante de um conjunto de variáveis humanas e emocionais que nenhum protocolo contempla por completo.
É nesse espaço — entre o conhecimento técnico e o encontro humano — que nasce a verdadeira arte do cuidado. O médico é, ao mesmo tempo, cientista e intérprete do sofrimento. Sua missão é traduzir o conhecimento em acolhimento, unir empatia, ética e resultado em um gesto de confiança.
A carreira médica, especialmente nos primeiros anos, tem se tornado cada vez mais desafiadora. Exige atualização constante, pensamento crítico e discernimento ético. Já não basta o “como eu faço”, mas o “como se faz”, respaldado em evidências, boas práticas e sensibilidade.
Ser médico também se tornou mais complexo. O paciente chega informado — muitas vezes mal informado — pelas redes e por fake news. A incorporação de novas tecnologias e o custo crescente da saúde fazem com que o cuidado seja um ato que demanda conhecimento, mas também bom senso e equilíbrio. O mesmo impulso que leva o médico a aplicar o que há de mais moderno pode esbarrar nas limitações econômicas e estruturais do sistema.
Hoje, cuidar significa compreender que o ato médico acontece em rede. É uma relação que envolve o paciente, os profissionais, o sistema de saúde e a sociedade. O bom exercício da medicina depende do diálogo entre todos esses atores e da construção coletiva de um ambiente que valorize o conhecimento e priorize o bem-estar das pessoas.
A medicina que praticamos é feita de presença e precisão — e também de perguntas. É uma medicina que escuta, observa e transforma. Ser médico é viver nesse equilíbrio: entre a técnica e a humanidade, entre a ciência e o tempo de cada paciente. É uma escolha diária pela responsabilidade e pela vida.
*Luiz Antonio Nasi é Superintendente Médico do Hospital Moinhos de Vento.
