Avanço das cirurgias conservadoras marca novo perfil do tratamento do câncer de mama no SUS
Um levantamento inédito realizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) na base de dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, mostra que, entre 2019 e 2024, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou mais de 175 mil cirurgias em pacientes com diagnóstico de câncer de mama. Os dados analisados, além de refletir as oscilações por conta do impacto da pandemia da Covid-19, mostram que as técnicas conservadoras da mama, como setorectomias e quadrantectomias, representam aproximadamente dois terços das cirurgias realizadas — mais de 119 mil internações no período.
Em 2024, houve um crescimento expressivo de 26% nas setorectomias e quadrantectomias quando comparado ao ano de 2019 enquanto as mastectomias apresentaram redução comparado com o restante dos anos analisados. As mastectomias radicais e simples somam cerca de 28% do total, indicando uma transição importante na prática cirúrgica do SUS, ou seja, da remoção completa da mama para abordagens menos invasivas.
O presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Rodrigo Nascimento Pinheiro, explica que as técnicas mais conservadoras têm como objetivo remover o tumor com uma margem de segurança de tecido saudável, preservando parte da glândula mamária e a aparência do seio. “Esse predomínio pode significar avanços dos diagnósticos em estágios iniciais, modernização da abordagem cirúrgica no SUS e acesso a profissionais e tecnologias de ponta, que tem como objetivo oferecer qualidade de vida e preservação corporal dessas pacientes”, explica Nascimento.

Efeitos da pandemia e retomada dos procedimentos
Em 2019, o SUS realizou 33,4 mil cirurgias, número que caiu para 23,7 mil em 2020, em plena crise sanitária e voltou a crescer gradualmente até alcançar 32,1 mil em 2024. De acordo com o cirurgião oncológico Juliano Rodrigues da Cunha, diretor de Comunicação da SBCO, essa retomada demonstra a capacidade de adaptação do sistema e o avanço do acesso aos tratamentos cirúrgicos oncológicos após o período crítico. “Os dados mostram que o SUS se recuperou de forma consistente após a pandemia, garantindo novamente o acesso das mulheres ao tratamento cirúrgico do câncer de mama, uma das etapas mais importantes do cuidado oncológico”, avalia Juliano.
O impacto da pandemia é perceptível nos dados de 2020, quando houve uma queda de cerca de 30% nas cirurgias em relação ao ano anterior, refletindo o cancelamento de procedimentos eletivos e a priorização dos atendimentos de covid-19. A partir de 2022, entretanto, observa-se a recuperação, com crescimento de 25% no total de procedimentos e retomada das tendências anteriores, especialmente nas técnicas conservadoras.
Desigualdades regionais persistem
O estudo também evidencia desigualdades regionais. Entre 2019 e 2024, São Paulo teve 43.888 cirurgias, Minas Gerais com 17.084, Rio de Janeiro com 14.174 e Bahia com 14.740 concentraram os maiores volumes de procedimentos. Já o estado do Amapá teve 250, seguido de Roraima com 358 e Acre com 354, que apresentaram os números mais inferiores.
Em 2024, por exemplo, São Paulo somou mais de 9 mil cirurgias, enquanto o Amapá não ultrapassou 50. Segundo Rodrigo, a discrepância reflete não apenas a diferença de infraestrutura hospitalar e a concentração de Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) nas regiões mais desenvolvidas, mas também possível subnotificação ou variações no registro dos procedimentos. “Essas desigualdades impactam diretamente o diagnóstico precoce e o prognóstico das pacientes. Nas regiões onde há menor cobertura de rastreamento e poucos centros de referência, as mulheres chegam ao tratamento em estágios mais avançados, o que reduz as chances de preservação da mama”, explica.
Rodrigo Pinheiro destaca ser importante fortalecer a rede de oncologia nas regiões Norte e Nordeste, ampliando os serviços cirúrgicos. “É essencial para garantir um cuidado equitativo e integral à mulher com câncer de mama”, reforça o presidente da SBCO.
Nova recomendação do Ministério da Saúde
A nova diretriz do Ministério da Saúde, divulgada no fim de setembro, amplia a faixa etária do rastreamento ativo para 40 anos e cria uma linha de cuidado específica para garantir o acesso à mamografia, mesmo em mulheres sem sinais ou sintomas da doença. Também foi instituído o modelo de “rastreamento sob demanda”, em que os profissionais de saúde devem orientar as pacientes sobre os benefícios e as possíveis limitações do exame, permitindo decisões compartilhadas. O governo prevê ainda a expansão da rede de atendimento, com o reforço das carretas da saúde da mulher, a capacitação de equipes, a incorporação de novos medicamentos e investimentos na qualificação dos equipamentos de mamografia.
Segundo o Ministério, o objetivo é reduzir a mortalidade e aumentar a sobrevida, ampliando o número de diagnósticos precoces e garantindo que mais mulheres iniciem o tratamento em estágios iniciais, quando as chances de cura ultrapassam 90%. Para a SBCO, o fortalecimento da linha de cuidado é essencial para consolidar uma política nacional de rastreamento que seja efetiva e equitativa em todas as regiões do país.
A cirurgia oncológica, etapa fundamental do tratamento, depende diretamente do momento do diagnóstico. Quanto mais precoce for a detecção do tumor, maior é a possibilidade de indicar procedimentos menos invasivos e com melhores resultados estéticos e funcionais. O câncer de mama, contudo, não se manifesta apenas com nódulos palpáveis. Alterações na textura da pele, retrações, descamações ou secreções anormais nos mamilos podem ser sinais de alerta e devem motivar avaliação médica imediata. Por isso, o autoexame, embora não substitua a mamografia, continua sendo um instrumento importante de autoconhecimento e atenção às mudanças no próprio corpo. Além do diagnóstico precoce, especialistas reforçam que medidas de prevenção relacionadas ao estilo de vida podem reduzir significativamente o risco de desenvolver câncer de mama. Manter o peso corporal adequado, praticar atividade física regular, evitar o consumo excessivo de álcool, não fumar e adotar uma alimentação equilibrada são hábitos que contribuem para a redução de fatores de risco conhecidos.

