Sustentabilidade na Indústria Farmacêutica: desafios jurídicos
Por Pedro Szajnferber De Franco Carneiro e Daniela Guaria Jambor
A incorporação de práticas sustentáveis à cadeia produtiva farmacêutica deixou de ser uma tendência para se tornar uma realidade em consolidação. Iniciativas voltadas à substituição de polímeros convencionais, ao redesenho de embalagens e à logística reversa de materiais demonstram o esforço crescente do setor em alinhar-se às metas de sustentabilidade e de descarbonização industrial.
Esse movimento, contudo, traz à tona uma série de desafios jurídicos e regulatórios. A transição para novos materiais e processos produtivos precisa observar, com rigor, as normas sanitárias e de qualidade vigentes, sem comprometer os padrões de segurança e rastreabilidade que caracterizam o setor farmacêutico.
Por exemplo, a adoção de polímeros alternativos aos tradicionalmente 
utilizados nas embalagens farmacêuticas — como o PVC — representa um avanço ambiental relevante. Entretanto, cada substituição implica revisões técnicas e documentais, que demandam avaliação prévia pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Do ponto de vista jurídico, trata-se de conciliar inovação com o princípio da precaução, garantindo que as alterações não comprometam a integridade, estabilidade e eficácia dos medicamentos. Nesse contexto, é relevante o papel do jurídico regulatório para assegurar conformidade dos dossiês de registro e as comprovações técnicas atendam aos requisitos da legislação sanitária, conferindo segurança e previsibilidade ao processo de transição.
Por sua vez, o redesenho de embalagens sob critérios de sustentabilidade — redução de materiais, uso de recicláveis ou compostáveis — ainda enfrenta limitações na regulamentação técnica vigente. A legislação sanitária atual prioriza atributos como proteção, vedação e estabilidade, mas ainda não incorpora parâmetros objetivos de sustentabilidade ou de análise de ciclo de vida.
Esse vácuo normativo impõe às empresas o desafio de inovar em conformidade com regras desenhadas para um contexto diferente. Surge, assim, a necessidade de evolução regulatória, com atualização das diretrizes técnicas para contemplar critérios ambientais, sem afastar as exigências de segurança e rastreabilidade próprias do setor. Tal lacuna pode ser resolvida, por exemplo, com o avanço das discussões sobre a taxonomia sustentável.
Como paradigma regulatório, o setor de embalagens de alimentos parece estar adiantado em relação à sustentabilidade, podendo oferecer lições ao setor farmacêutico. No contexto da Política Nacional de Resíduos Sólidos e do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, existem metas públicas de recuperação e logística reversa de embalagens, como a meta de recuperar 50% das embalagens em geral até 2040. Além disso, a Anvisa passou a admitir o uso de resinas recicladas em determinadas condições, reconhecendo processos de reciclagem química e revisando listas positivas de polímeros e monômeros. Para o setor farmacêutico, esse paralelo demonstra que: (i) há uma referência normativa próxima que pode orientar futuras atualizações; (ii) embora os requisitos de estabilidade e segurança sejam mais rigorosos para medicamentos, conceitos como reciclagem controlada, uso de biopolímeros e análise de ciclo de vida são compatíveis e adaptáveis; e (iii) é possível que a Anvisa, em futuro próximo, publique regulamentação específica ou guias técnicos para embalagens farmacêuticas sustentáveis, à semelhança do que já ocorre com as embalagens de alimentos.
Ainda sobre a perspectiva ambiental, a logística reversa de embalagens farmacêuticas ocupa hoje papel central na transição para um modelo produtivo mais circular. Amparada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) e por seus decretos regulamentadores, a obrigação de estruturar e implementar sistemas de retorno de embalagens pós-consumo já alcança o segmento farmacêutico, que precisa conciliar essa exigência ambiental com o rigor da vigilância sanitária.
O principal desafio jurídico reside em compatibilizar a coleta e o reaproveitamento de materiais com as restrições impostas à manipulação de resíduos contendo medicamentos ou traços de substâncias ativas. Dessa forma, os sistemas de logística reversa no setor farmacêutico exigem modelos próprios de rastreabilidade, segregação e destinação, sob pena de descumprimento simultâneo das normas ambientais e sanitárias.
Com a recente publicação do Decreto n.º 12.688/25, que instituiu o sistema próprio da logística reversa de embalagens de plástico, aumenta o estímulo para adoção de embalagens reutilizáveis, recicláveis, retornáveis e com conteúdo reciclado. De outro lado, a regulação também aprimora as metas quantitativas para recuperação de embalagens e conteúdo reciclado incorporado às embalagens de plástico, com metas já obrigatórias para o início de 2026 para algumas empresas.
Ou seja, sem esse desenho jurídico detalhado, há risco de fragmentação de responsabilidades e de sanções cruzadas — ambientais, sanitárias e consumeristas — por falhas na gestão dos resíduos.
O cenário atual evidencia a necessidade de ajuste gradual do marco regulatório. O direito regulatório sanitário e ambiental devem caminhar de forma integrada, permitindo que inovações tecnológicas sejam incorporadas com segurança jurídica e previsibilidade. A harmonização de normas técnicas, a criação de guias regulatórios específicos para materiais sustentáveis e o fortalecimento do diálogo entre reguladores e indústria são medidas fundamentais para que a transição avance de modo responsável.
Mais do que uma exigência reputacional, a sustentabilidade tende a se consolidar como um requisito regulatório, associado à governança, à conformidade e à responsabilidade socioambiental das empresas do setor.
*Pedro Szajnferber De Franco Carneiro é advogado, especialista em Direito Ambiental pela FGV/SP e Universidade de São Paulo, MBA em ESG pelo IBMEC. Sócio de SPLAW Advogados.
*Daniela Guaria Jambor é advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Sanitário e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo.
