Quem salva vidas não tem tempo e a IA veio para mudar isso
Por Guto Quirós
No Brasil, dois a cada três médicos relatam sintomas de burnout, segundo a pesquisa Saúde Mental do Médico, da Afya. Quase metade já teve diagnóstico de ansiedade ou depressão. Nunca tivemos tantos recursos tecnológicos e, paradoxalmente, tantos profissionais adoecendo. O que está “matando” quem salva vidas não é o paciente, mas a ineficiência operacional : o excesso de decisões, informações e burocracia que rouba tempo, foco e empatia.
O problema não está no cuidado, mas na estrutura de trabalho que se tornou insustentável. Médicos passam horas diante de telas, preenchendo prontuários e lidando com tarefas repetitivas. Um estudo da Medscape mostra que 65% dos profissionais gastam mais de 10 horas semanais com tarefas administrativas, alguns chegam a 25.
Instituições como o Hospital Albert Einstein e o Hospital das Clínicas já aplicam IA em exames, triagem e gestão de pacientes. Mas o avanço mais significativo no sentido de fluxo de trabalho e eficiência virá de plataformas que permitam ao profissional organizar sua rotina em um único ambiente, independentemente do número de locais em que atua.
Esse ponto é essencial para médicos que atuam em diferentes locais e precisam otimizar cada minuto de consulta: com a tecnologia absorvendo parte da burocracia, o tempo passa a ser investido em momentos de autocuidado, de lazer e com a família. Para esses profissionais, significa maior previsibilidade na rotina, menos deslocamentos desnecessários e melhor distribuição das demandas, prevenindo o burnout.
É aqui que a inteligência artificial entra, não como substituta, mas sim como guardiã da mente médica. Segundo um levantamento da Mass General Brigham, hospitais que adotaram IA generativa para documentação clínica, a carga cognitiva caiu 72%, o burnout reduziu 21% e o bem-estar aumentou 30%.
Um exemplo concreto dessa transformação é o DAX Copilot, da Microsoft, uma ferramenta que grava consultas, redige rascunhos de prontuários e sugere hipóteses clínicas em tempo real. O resultado: 70% menos burnout, 93% dos pacientes mais satisfeitos e US$ 41 mil de economia anual por profissional.
A tecnologia, quando bem aplicada, não desumaniza a medicina, ela a devolve aos médicos. Não é automação. É libertação. Ao assumir o que é repetitivo, a IA devolve o que é insubstituível: a escuta, o olhar, a presença.
Muitas das soluções que estão salvando a medicina nasceram em outros setores. A Netflix, por exemplo, usa algoritmos para prever o que você vai querer assistir. A startup Verge Genomics aplica o mesmo princípio a genes: analisa milhões de variações genéticas e recomenda tratamentos personalizados, encurtando o ciclo de desenvolvimento de novos medicamentos de décadas para poucos anos.
Na indústria de games, tecnologias de reconhecimento emocional inspiraram hospitais como o Cedars-Sinai, em Los Angeles, a usar assistentes de voz capazes de identificar alterações sutis na fala e detectar sinais precoces de infecções e doenças neurológicas, antes mesmo de os sintomas aparecerem. Esses exemplos mostram algo essencial: a IA não está tornando o cuidado mais frio. Está tornando-o mais atento, mais preciso, mais humano.
A transformação digital da saúde não é sobre eficiência, mas sobre propósito. Florence Nightingale revolucionou os hospitais com estatísticas. No século XXI, a revolução será feita por algoritmos, não para substituir o toque humano, mas para torná-lo novamente possível. Profissionais precisam de ferramentas inteligentes para manejar um volume crescente de dados, decisões e pacientes, sem sacrificar seu bem-estar ou qualidade de vida.
A IA está ajudando médicos a recuperar o tempo que a burocracia tirou. Está devolvendo à medicina o que sempre foi a sua essência: estar ao lado das pessoas. No fim, a grande revolução da IA na saúde não é tecnológica. É humana. E talvez seja justamente isso o que a medicina mais precisava: uma forma de lembrar que cuidar sempre foi, e continuará sendo, um ato profundamente humano.
*Guto Quirós é CEO da Plenno.
 
								

