O médico como testemunha em ações de responsabilidade civil
Por Thianne de Azevedo Silva Martins e Giovanna Aposto

O médico intimado a depor como testemunha em processo judicial sobre alegado erro médico costuma enxergar o chamado apenas como uma obrigação cívica, restrita a comparecer em juízo e dizer a verdade. No entanto, quando a ação envolve entes públicos ou instituições de saúde que exercem função pública, a posição do médico-testemunha ganha uma complexidade que raramente é percebida.
Nesses casos, incide a responsabilidade civil objetiva prevista no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. A regra determina que o Estado e as instituições de saúde respondem diretamente perante o paciente pelos danos, independentemente de culpa, ao mesmo tempo que assegura a possibilidade de ação regressiva contra o profissional que tenha agido com dolo ou culpa. É nesse ponto que o depoimento do médico, ainda que prestado na condição de testemunha, pode repercutir em sua própria esfera de responsabilidade.

O peso da palavra médica em juízo é diferenciado. Uma resposta imprecisa, ambígua ou mal formulada pode acabar interpretada como reconhecimento de falha, quando a intenção era apenas relatar a rotina institucional. O médico intimado como testemunha muitas vezes acredita estar imune a riscos por não ser parte do processo. No entanto, sua fala pode ser registrada e utilizada em momento posterior para fundamentar uma ação regressiva contra ele.
Em situações como essa, os seguros de responsabilidade civil médica não oferecem cobertura, pois se aplicam apenas às hipóteses em que o profissional figura como réu direto em ações de erro médico. Isso significa que, mesmo na condição de testemunha, o médico pode estar exposto a riscos patrimoniais futuros sem qualquer proteção securitária, o que reforça a importância da orientação jurídica prévia.
Cabe destacar que a testemunha pode se fazer acompanhar por advogado, desde que este não interfira ou responda em seu lugar, atuando apenas para resguardar direitos fundamentais, como o de não produzir prova contra si mesma. Essa previsão garantida pelo artigo 5º da Constituição Federal, embora voltada a proteger a testemunha em situações de autoincriminação, também respalda a ideia de que a orientação jurídica prévia não é apenas legítima, mas necessária em contextos de alta complexidade como as ações de responsabilidade civil médica.
Nesse contexto, a assessoria jurídica da testemunha deve ser entendida como instrumento de proteção preventiva. Ela não retira do ato o seu caráter público e colaborativo, mas garante que o depoimento seja prestado com segurança, clareza e objetividade. Trata-se de medida de prudência que fortalece a ética do testemunho e reduz os riscos de repercussões indesejadas.
Esse cuidado fortalece a função da testemunha e também resguarda o médico. O profissional que se prepara compreende melhor a relevância do ato que desempenha, contribui de forma mais consciente para o processo e preserva a própria proteção jurídica.
Diante disso, ao ser intimado para depor em ações que envolvem responsabilidade civil objetiva por erro médico, torna-se essencial buscar orientação jurídica prévia. Essa preparação não altera a verdade a ser dita, mas assegura que o depoimento cumpra integralmente sua finalidade sem expor o médico a riscos desnecessários.
*Thianne de Azevedo Silva Martins é sócia e Giovanna Aposto é advogada do Azevedo Martins Advocacia.

