Mulheres ainda têm menos espaço e financiamento na ciência
As mulheres avançaram em escolaridade, conquistaram espaço na pós-graduação e representam hoje a maioria dos doutores no Brasil. Mesmo assim, continuam distantes das posições de comando e dos principais financiamentos da ciência. Segundo levantamento da Associação Mulher, Ciência e Reprodução Humana do Brasil (AMCR), apenas 5% dos cargos de liderança acadêmica no país são ocupados por mulheres, e elas seguem sendo minoria em publicações de alto impacto, autoria principal e concessões de bolsas e prêmios.
Dados recentes da UNESCO mostram que, globalmente, existe uma mulher cientista para cada três homens, e na pesquisa médica a proporção é ainda mais desigual: uma mulher para cada quatro homens empregados em áreas científicas. Apesar de esse número ter crescido nas últimas décadas, as disparidades em financiamento e reconhecimento permanecem. De acordo com o CNPq, em 2022 houve R$ 10 milhões a mais em bolsas concedidas a homens do que a mulheres, mesmo entre pesquisadoras de nível equivalente.

“Existe uma ilusão de igualdade que não corresponde à realidade dos números. As mulheres continuam sub financiadas, subvalorizadas e menos citadas em publicações de alto impacto. A desigualdade não está mais no acesso à formação, mas no acesso ao poder e ao reconhecimento”, afirma a Profa. Marise Samama, presidente da AMCR e doutora em Reprodução Humana pela Université de Paris.
Um estudo publicado na revista Nature Human Behaviour confirma a desigualdade estrutural: cientistas mulheres são 40% menos propensas a serem mencionadas como autoras principais em trabalhos científicos e 30% menos citadas do que seus colegas homens, mesmo quando têm o mesmo nível de contribuição. Na prática médica, a diferença também se reflete em salários 30% a 40% menores e sub-representação em cargos de decisão.
Para a Samama, o problema é sistêmico. “O preconceito de gênero na ciência não é explícito, mas está embutido na cultura das instituições. Homens são mais indicados para liderar projetos, são mais lembrados para palestras e ocupam mais espaços em conselhos e bancas. Isso cria um ciclo de invisibilidade feminina que se retroalimenta”, destaca.
Outro aspecto preocupante é o ambiente de trabalho. De acordo com o artigo elaborado por um grupo de médicas latino-americanas, do qual a presidente da AMCR faz parte, 85% das mulheres em cargos de liderança na medicina relataram episódios de assédio moral ou sexual ao longo da carreira. O estudo aponta que a falta de políticas de prevenção e canais de denúncia eficazes é um dos principais motivos da evasão feminina de áreas científicas de alta competitividade.
A desigualdade também afeta a inovação. Um relatório da Royal Society destaca que a diversidade de gênero aumenta a produtividade e a criatividade científica, especialmente em campos de pesquisa ligados à saúde e comportamento humano. “Quando apenas um gênero domina a produção de conhecimento, a ciência perde profundidade. Precisamos de olhares diferentes para entender problemas complexos, como a infertilidade, a saúde hormonal e as doenças reprodutivas”, reforça Samama.
Mesmo na área de reprodução assistida, historicamente marcada pela presença feminina, os cargos de liderança e gestão continuam sendo predominantemente masculinos. A AMCR alerta que esse desequilíbrio impacta o tipo de pesquisa conduzida, o modo como o paciente é atendido e até a formulação de políticas públicas de saúde reprodutiva.
“Hoje há um número expressivo de mulheres com certificação em reprodução humana no Brasil, mas poucas em posições estratégicas. Essa desigualdade é silenciosa, porém profunda, e precisa ser enfrentada com políticas afirmativas, mentorias e visibilidade institucional”, observa Samama.
A presidente da AMCR reforça que, além de equidade, o tema envolve qualidade científica. “Diversidade de gênero é um indicador de excelência, não apenas de justiça. Incluir mulheres nas decisões científicas melhora os resultados, amplia a ética do cuidado e torna a ciência mais humana e eficiente”, conclui.

