FMUSP aponta impacto da violência na saúde de mulheres no climatério
A violência doméstica é um problema global que atinge uma em cada três mulheres, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e deixa marcas duradouras na vida das vítimas. Um estudo conduzido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) revelou que mulheres no climatério, período de transição entre a vida reprodutiva e a não reprodutiva, apresentam sequelas significativas quando expostas a esse tipo de agressão, com efeitos diretos na saúde ginecológica, na sexualidade e no bem-estar psicológico.
A pesquisa, intitulada “Sexualidade e saúde mental da mulher climatérica vítima de violência doméstica”, foi conduzida pela mestranda Débora Krakauer, do Programa de Pós-Graduação em Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP, sob orientação de José Maria Soares Júnior, professor associado e chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da instituição. O estudo avaliou mulheres entre 40 e 65 anos, divididas em dois grupos: vítimas de agressões e participantes sem histórico de abuso.

Consequências na saúde ginecológica
Os resultados mostraram que, em comparação ao grupo controle, as mulheres que sofreram abuso apresentaram taxas mais altas de endometriose (28% contra 10%), infecções ginecológicas (32% contra 10%), incontinência urinária (58% contra 26%) e dor pélvica crônica (82% contra 26%).
Os pesquisadores também destacaram a prevalência de vaginismo entre as participantes vítimas de violência. Enquanto apenas 6% das mulheres sem histórico de agressão relataram o problema, 42% do grupo das vítimas apresentava a condição, que é caracterizada pela contração involuntária da musculatura vaginal, o que dificulta ou impede a relação sexual.
Impactos na sexualidade e na saúde mental
Os dados evidenciam que os abusos deixam marcas duradouras no corpo feminino, afetando a saúde reprodutiva, a saúde mental e a qualidade de vida. A análise da função sexual mostrou que, embora disfunções também tenham sido relatadas no grupo controle, as vítimas de violência apresentaram menor desejo e maior dor durante as relações sexuais. De modo geral, o desconforto sexual foi quase duas vezes mais frequente entre essas mulheres: 76% contra 46%.
As repercussões não se limitaram à esfera ginecológica. O estudo identificou também maior prevalência de doenças crônicas associadas ao estresse. Casos de diabetes foram nove vezes mais comuns entre as vítimas (18% contra 2%), e os de hipertensão arterial, quase o dobro (54% contra 32%). Esses achados sugerem que a violência doméstica impacta o funcionamento metabólico e cardiovascular, reforçando a hipótese de que o estresse crônico decorrente das agressões pode contribuir para o surgimento ou agravamento dessas condições.
“A violência doméstica não se restringe ao momento da agressão. Ela repercute na saúde sexual, reprodutiva, mental e social da vítima. São mulheres que apresentam maior sofrimento físico e psicológico, com impacto em toda sua vida: acadêmica, social, familiar e sexual. O trauma se manifesta nos sintomas no corpo e da mente, deixando danos muitas vezes irreparáveis”, afirma a pesquisadora Débora Krakauer.
Todas as participantes do grupo de estudo relataram ter vivenciado algum tipo de violência ao longo da vida: 74% física, 66% sexual e 80% psicológica. A maioria sofreu agressões na vida adulta e, em 90% dos casos, os episódios foram recorrentes, evidenciando o caráter repetitivo e cumulativo da violência doméstica.
“A violência deixa marcas que não são apenas emocionais, mas também físicas, como dores crônicas, disfunções sexuais e maior incidência de doenças crônicas. É essencial que os profissionais estejam preparados para identificar esses sinais e oferecer um cuidado integral, que abranja desde a prevenção até a reabilitação”, concluiu o Prof. José Maria Soares Júnior.
 
								
