ANS 623 vai trazer revolução real nos planos de saúde
Por Marcelo Izumi
A Resolução Normativa nº 623/2024 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), marca um ponto de inflexão no setor de saúde suplementar. Mais do que estabelecer novas obrigações, a norma acelera uma transformação que já estava em curso, criando um ambiente regulatório que favorece operadoras dispostas a investir em experiência do cliente e eficiência operacional. Quando a regulação torna obrigatórias práticas como integração de canais de atendimento e rastreabilidade completa, ela está alinhando o mercado com tendências que empresas inovadoras já adotavam voluntariamente.
A norma, que entrou em vigor em julho de 2025, estabelece parâmetros fundamentais: rastreabilidade de atendimentos, protocolos para todas as solicitações, transparência nas negativas e, principalmente, omnicanalidade real. Esses requisitos criam uma base sólida para operadoras que já investem em transformação digital e pressionam aquelas que resistiam à modernização.
A obrigatoriedade do atendimento virtual integrado aos canais presencial e telefônico representa uma oportunidade estratégica. Operadoras que já desenvolviam capacidades digitais podem agora diferenciar-se pela qualidade da experiência omnichannel, enquanto aquelas que dependiam exclusivamente de modelos tradicionais enfrentam desafios de adaptação acelerada.
A exigência de que prazos sejam iniciados independentemente do canal utilizado elimina uma fonte de frustração histórica dos beneficiários e cria condições para que tecnologias de integração demonstrem seu valor real. Operadoras que investem em soluções robustas de unificação de dados e processos terão vantagem competitiva clara sobre aquelas que tentam resolver a integração de forma superficial.
A medição obrigatória da resolutividade representa o aspecto mais transformador da norma. Não basta mais processar demandas; é preciso resolver problemas na primeira interação. Essa mudança de paradigma cria demanda por tecnologias que aumentem o First Call Resolution (FCR) e capacitem equipes para diagnósticos mais precisos e soluções mais efetivas. Empresas que conseguem combinar inteligência artificial, análise de dados e capacitação humana estarão melhor posicionadas nesse cenário.
A promessa da ANS de divulgar trimestralmente rankings de excelência e redução de reclamações adiciona uma camada de pressão competitiva que o mercado, sozinho, não conseguiu criar. Transparência forçada tem o poder de acelerar mudanças que a concorrência tradicional não promoveu. Operadoras que se destacarem nas métricas ganharão vantagem reputacional; as demais enfrentarão exposição pública de suas deficiências.
Mas há um risco subjacente nessa regulação: a tentação de automatizar respostas para cumprir métricas sem resolver problemas de fundo. A pressão por protocolos, rastreabilidade e prazos pode levar operadoras a investirem pesado em sistemas que aparentam eficiência sem entregar experiência real. A diferença entre compliance regulatório e transformação operacional será o que separará empresas genuinamente evoluídas daquelas que apenas se adaptaram superficialmente.
A omnicanalidade, agora obrigatória, precisa ir além da integração técnica. Significa repensar processos, treinar equipes e, principalmente, aceitar que o beneficiário tem o direito de transitar entre canais sem perder contexto ou recomeçar jornadas. Empresas acostumadas a silos operacionais enfrentarão desafios estruturais significativos.
Do ponto de vista estratégico, a RN 623 acelera uma diferenciação que já estava em curso: operadoras tecnologicamente preparadas consolidam vantagem competitiva, enquanto aquelas dependentes de processos manuais e fragmentados enfrentam pressões de adequação.
O setor de saúde suplementar entra numa fase onde eficiência operacional e experiência do cliente convergem como imperativos regulatórios e comerciais. Essa convergência cria oportunidades para tecnologias que integram canais, automatizam processos repetitivos e amplificam a capacidade humana de resolver problemas complexos. As operadoras que compreenderem a RN 623 como catalisador de transformação, e não apenas como custo de compliance, estarão preparadas para liderar um mercado que finalmente alinha regulação, tecnologia e experiência do cliente numa direção consistente.
*Marcelo Izumi, cofundador é diretor de negócios da Octágora e especialista em Desenvolvimento de Novos Negócios e Estratégia, com mais de 20 anos de experiência em tecnologia.