Pesquisa inédita sobre Doença de Huntington revela impactos no Brasil
Pouco conhecida e sem políticas públicas específicas, a Doença de Huntington (DH) afeta os pacientes com barreiras no diagnóstico e no cuidado, aumentando a vulnerabilidade e a dependência financeira dos pacientes e de suas famílias, como revela a pesquisa inédita Mapeamento da Doença de Huntington no Brasil: Perfil das Pessoas com DH, Cuidadores e Familiares em Risco. O levantamento identificou que cerca de 30% da população com DH conta com algum auxílio do governo ou suporte da família para os custos gerados pela doença e dois a cada três pacientes (66,6%) afirmam desconhecer seus direitos previdenciários e sociais.
O objetivo do primeiro levantamento sobre a Doença de Huntington no país, realizado pela ABH – Associação Brasil Huntington com o apoio da farmacêutica Teva Brasil, foi avaliar as consequências da condição, observando como estigmas, atrasos no correto diagnóstico e cuidado agravam questões físicas e emocionais para as pessoas com a enfermidade e suas famílias, gerando grandes impactos financeiros e sociais.
A DH é rara, hereditária, progressiva e neurodegenerativa, com idade média de início entre 30 e 50 anos, gerando desafios como a incapacidade para o trabalho e elevados custos de saúde para pacientes e cuidadores, o que torna as políticas públicas e os programas assistenciais ainda mais importantes. Segundo a pesquisa, apenas 20% da amostra afirma ter acesso à aposentadoria por invalidez apesar de se tratar de uma condição incapacitante. Apenas 26% dos pacientes declaram receber auxílio do governo (45% auxílio-doença e 23% BPC/LOAS – Benefício de Prestação Continuada, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS).
As mulheres são as principais impactadas pela carga da doença: elas representam quase 85% dos responsáveis pelo cuidado. Dentre os cuidadores, mais de 30% são cônjuges e cerca de 28% são mães dos pacientes.
“A DH afeta diretamente a vida dos pacientes, que enfrentam os desafios do diagnóstico em idade produtiva. Esse mesmo cenário se repete para os cuidadores – na maioria mulheres – que passam a se dedicar integralmente aos familiares, enquanto outras áreas de suas vidas, incluindo a profissional, ficam comprometidas”, explica Gladys Miranda, presidente da ABH.
Dentre os sintomas, a coreia, termo médico que descreve movimentos involuntários, rápidos e descoordenados, semelhantes a uma dança irregular, é mencionada por quase 40% da amostra de pacientes como o sintoma mais relevante, seguida pela falta de equilíbrio, sentida por 22% dessa população e sintomas psicológicos (15%) – como mudanças de humor, depressão e irritabilidade.
Ao serem perguntados sobre como a doença os afeta, o impacto na memória, concentração e bem-estar emocional são as respostas mais citadas, em cerca de 70% dos casos. Os prejuízos nas relações familiares, eventos e amizades também se destacam, com 60% das respostas, seguida de 50% dos pacientes declarando sentir suas vidas comprometidas na realização de multitarefas, atividades físicas e, nas atividades da vida diária, no ato de em pegar objetos.
Além dos desafios dos sintomas no dia a dia, os pacientes sofrem com o preconceito: 31% relatam desconforto, 21% medo e 14% discriminação no convívio com outras pessoas.
“Os dados do primeiro panorama sobre a DH no Brasil são importantes para que o país possa evoluir em políticas públicas para garantir a atenção aos pacientes e suas famílias. Essas pessoas convivem com grandes estigmas e enfrentam desafios como o acesso limitado ao diagnóstico correto, especialmente a exames genéticos no SUS, e a falta de disponibilidade do cuidado adequado, conhecimento de profissionais de saúde e da população em geral”, afirma Aparecida Alencar, responsável pela pesquisa.
Acesso à saúde
As dificuldades de acesso em saúde na DH estão frequentemente relacionadas à demora do diagnóstico correto, uma vez que os sintomas iniciais são comportamentais e/ou cognitivos e podem ser confundidos com outras doenças neurológicas, como esquizofrenia e Alzheimer. Muitas vezes o diagnóstico só é fechado mais adiante, quando a coreia se inicia e, mesmo assim, ainda pode ser confundida com sintomas de Parkinson. Os pacientes enfrentam barreiras como a falta de conhecimento, de apoio multidisciplinar adequado, aos tratamentos e cuidados especializados, especialmente em áreas mais distantes e isoladas do Brasil.
Na temática de acesso e utilização de serviços em saúde, o SUS é o principal suporte para 56% dos respondentes do levantamento, enquanto 44% são usuários de saúde suplementar. Metade dos participantes gasta até R$ 1.500 por mês devido às necessidades geradas pela doença, em um cenário já complexo, de impacto financeiro.
Diagnóstico da DH e teste genético
A pesquisa também ouviu familiares em risco, ou seja, parentes em primeiro grau, como filhos, irmãos, netos, e mostrou que dois em cada três familiares já ouviram falar sobre o teste preditivo para Doença de Huntington, mas apenas 11% buscaram essa opção para saber se herdaram o gene alterado.
Sobre planejamento familiar, mais da metade (54%) nunca ouviu falar da fertilização assistida com teste genético pré-implantacional para a DH, mas entre os que conhecem, um em cada três pretende realizá-lo. Para uma em cada quatro pessoas, o custo é a barreira que impede o acesso à fertilização assistida.
A doença segue um padrão de herança autossômica dominante, o que significa que os filhos de um indivíduo com uma cópia mutada do gene HTT têm 50% de chance de herdar o gene alterado e, tendo herdado, desenvolverão a doença em algum momento da vida.
Quase metade dos participantes tem cinco ou mais familiares com sintomas de DH, mostrando o grande impacto dentro dos núcleos familiares. No entanto, somente 38% da amostra de familiares relata falar sobre a enfermidade com frequência, reforçando o estigma e invisibilidade da doença.
“A DH ainda precisa de investimentos em pesquisa e inovação, além de ampliação nas campanhas de conscientização. Essas ações são essenciais para o país avançar na qualidade do cuidado oferecido, além de tornar essas pessoas visíveis para a sociedade. Precisamos desenvolver mudanças sobre como são conduzidas as medidas de suporte para melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, elucida Tatiana Henrique, psicóloga da ABH.