Reforma Tributária na Saúde: um diagnóstico entre alívio e pressão

Por Alexandre Sgarbi

A Reforma Tributária, aprovada por meio do PLP 68/2024 e sancionada pela Lei Complementar nº 214/2025, tem como objetivo simplificar o sistema de tributação brasileiro, hoje composto por diversos tributos, entre os mais comuns PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI. A reforma teve início em 2023 e, a partir de 2033, entrará plenamente em vigor. A nova tributação será realizada por meio do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que se divide entre o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal. Além do IVA dual, o Imposto Seletivo (IS), que incide sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, também fará parte da nova estrutura tributária.

O novo modelo de tributação busca garantir mais transparência ao consumidor final, para o qual, o valor pago no IVA dual deverá ser discriminado no momento da compra. Empregando a tributação proposta na Lei Complementar nº 214/2025 a carga do tributo será dada na venda dos produtos, seguindo a tributação do local no qual essa venda ocorre.

As alterações propostas trarão diversas mudanças em todo o contexto das relações comerciais, desde a produção até a precificação, afinal, noções como isenção de taxas em estados específicos ou benefícios fiscais para determinados tipos de produção serão extintos e espera-se uma elevação nas tributações de modo geral. Em relação à área da saúde, temos três grandes subáreas que poderão ser impactadas: a indústria farmacêutica, a indústria de planos de saúde e a indústria de prestação de serviços de saúde humana, todas elas terão impactos semelhantes e, também, alguns impactos específicos por setor.

Atualmente, o ICMS, PIS/Cofins, e IPI são impostos que incidem sobre a produção e a venda de medicamentos, causando, por vezes, uma elevação no preço final de medicamentos que se torna prejudicial para o consumidor final. Com a reforma tributária, teremos a incidência do IVA dual (CSB e IBS) na produção e comercialização de medicamentos, no entanto, a Lei Complementar nº 214/2025 prevê condições especiais para essa área.

Os artigos que mais impactam o setor farmacêutico são, de acordo com a Lei Complementar nº 214/2025:

  • Artigo 133: determina a redução de 60% dos impostos sobre operações envolvendo medicamentos pré-selecionados e registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
  • Artigo 146: determina alíquota zero de imposto em medicamentos específicos dispostos em anexo da lei complementar.

Diante disso, espera-se que uma considerável quantidade de compostos tenha sua taxação reduzida ou até nula. Estima-se que 850 princípios ativos se enquadrarão no artigo 122 e terão 60% de isenção nas operações que o envolvam, e 383 substâncias, incluindo vacinas, apresentarão taxa zero de contribuição. A previsão é de que a taxa total do IVA dual seja de 26,5%, sendo assim, aqueles elos da cadeia que trabalharem com os medicamentos com isenção de 60% no pagamento de impostos, terão uma alíquota média arrecadada de 10,6%.

Atualmente, existem as chamadas: Lista Negativa (apenas a indústria paga PIS/Cofins com incidência de 12%), Lista Positiva (não há incidência de imposto sobre nenhuma parte da cadeia de produção) e Lista Neutra (quando toda a cadeia tem um crédito ou débito para o PIS/Cofin), e alguns medicamentos atualmente compõem principalmente as Listas Negativa e Positiva, sendo assim, as taxações para esses medicamentos se alterarão conforme a lista em que eles se enquadram na nova Reforma Tributária. Uma grande preocupação para o setor farmacêutico vem de medicamentos que antes integravam a Lista Positiva e agora passarão a ser taxados em 60%, pois não integram mais a lista disposta em anexo da Lei Complementar, é o caso de alguns medicamentos contra o câncer, o que pode ocasionar um tratamento mais custoso para o paciente, caso os custos dos impostos não sejam compensados de outro modo.

Outra grande preocupação no cenário da Reforma Tributária, é que apenas medicamentos registrados na Anvisa poderão ter a isenção de 60% em sua taxação, assim, podendo desestimular novos estudos de medicamentos e novas tecnologias que ainda não sejam registrados. Para o caso de medicamentos em pesquisa clínica ou em fases de teste, ou até mesmo tratamentos alternativos para doenças raras, é possível que o medicamento ainda não seja registado, o que pode elevar seu custo de produção e consequentemente impactar no acesso a diferentes tipos de tratamentos.

Em relação aos serviços na área da saúde, como hospitais particulares, de modo geral são regidos por um artigo da nova Lei Complementar nº 214/2025: Artigo 130 que determina a redução de 60% dos impostos sobre prestação de serviços relacionados à saúde humana.

Foram 30 tipos distintos de serviços contemplados na redução de impostos. Atualmente, os hospitais particulares realizam pagamento de ISS, com alíquota aproximada de 2% para esse tipo de serviço, e de PIS/Cofins com alíquota de 3,9%. Como são apenas dois tributos recolhidos, o sistema de tributação para esse setor em específico é relativamente simples. Com a reforma tributária, considerando a já mencionada provável alíquota de 26,5% para o IVA dual, os prestadores de serviços de saúde passarão a ter uma carga tributária próxima de 10,6%. Assim, percebe-se um aumento de quase 5 pontos percentuais em relação às taxas atualmente pagas.

No entanto, esse acréscimo pode não impactar diretamente os custos finais dos prestadores de saúde, em razão do sistema de créditos tributários gerados no momento das aquisições. Todas as compras sobre as quais incide imposto geram crédito: aquisições gerais geram crédito integral sobre o percentual pago; compras de medicamentos, dispositivos médicos ou produtos para PCDs, que têm redução de 60% de imposto, geram crédito de 40%; já itens com isenção total não geram crédito, pois não há pagamento de imposto em nenhum elo da cadeia. Estima-se que o setor hospitalar no Brasil, em 2023, tenha movimentado aproximadamente 60 bilhões de dólares [Euromonitor], valor expressivo que indica que, mesmo com alterações relativamente pequenas nos percentuais, os efeitos em valores absolutos podem representar mudanças significativas na arrecadação tributária.

Além dos hospitais privados, há também o caso das instituições de saúde sem fins lucrativos, essas, estão isentas do IBS e do CBS, mesmo que não possuam os CEBAS, sendo assim, a reforma tributária não trará, neste momento, grandes impactos em questões de alterações de taxas. Essas instituições também terão a isenção do pagamento de impostos na aquisição de medicamentos, dispositivos médicos e de acessibilidade para PCDs, desde que sejam certificadas pela prestação anual de 60% dos seus serviços ao SUS (ou mínimo de 50%).

Já os serviços de planos de saúde também serão impactados, eles seguem o mesmo artigo dos demais serviços prestados relacionados à saúde humana, e por isso, serão taxados com redução de 60% de impostos. Portanto, assim como entidades hospitalares, os prestadores de serviços de planos de saúde pagarão taxas próximas a 10,6% de tributos. No entanto, a carga tributária desse setor atualmente varia entre 6,65% e 9,56%, sendo assim, espera-se um aumento na contribuição paga por esse setor. Para que não seja necessário repassar esse aumento para o consumidor final, é interessante que as empresas se utilizem do sistema de créditos que surge com a reforma tributária. Com o sistema de crédito, as companhias podem abater parte do que pagam, sendo assim, não há previsão de ocorrer o aumento das taxas de planos de saúde.

Diante de um cenário de profundas transformações trazidas pela Reforma Tributária, torna-se indispensável que as empresas da área da saúde, de todas as subáreas (a indústria farmacêutica, a indústria de planos de saúde e a indústria de prestação de serviços de saúde humana), adotem uma postura proativa, estratégica e estruturada. A complexidade das mudanças exige não apenas uma adaptação operacional, mas uma revisão completa do modelo de gestão tributária, logística e financeira. Nesse contexto, ações como a recuperação de créditos acumulados, a análise detalhada da atual estrutura tributária e a busca por modelos mais eficientes e aderentes ao novo sistema são fundamentais para proteger margens, reduzir riscos e assegurar a sustentabilidade do negócio no médio e longo prazo.

Além disso, a adoção de tecnologias que automatizam processos fiscais e melhoram a qualidade dos dados, bem como o fortalecimento da governança tributária, se tornam diferenciais competitivos. Capacitar as equipes — não apenas do setor fiscal, mas também de Supply Chain, finanças e comercial — garante que toda a organização esteja alinhada às novas exigências. Somado a isso, o monitoramento contínuo das regulamentações complementares e dos impactos práticos da implementação permitirá às empresas não só mitigar riscos, mas também capturar oportunidades, como incentivos, benefícios e melhorias na cadeia de valor. Mais do que uma obrigação, preparar-se para a Reforma Tributária representa uma oportunidade de transformação, modernização e ganho de eficiência para todo o setor de saúde.


*Alexandre Sgarbi é diretor da Peers Consulting + Technology.

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