Inovação e acesso para revolucionar a saúde

Por Carlos Gil Ferreira

As gerações com mais de 35 anos certamente se lembram de uma época em que a epidemia de AIDS causou pânico em todo o mundo, ceifando milhões de vidas, nas décadas de 1980 e 1990. Ainda sem um tratamento eficaz disponível, contrair o HIV era como uma sentença de morte diante de um vírus que não escolhia cor de pele, escolaridade ou classe social. Graças à evolução da ciência e das tecnologias, em especial nos últimos 15 anos, que foi possível chegar a soluções capazes de limitar a transmissão, tornando esses tempos apenas tristes lembranças que não voltam mais. Hoje em dia, novos casos de contaminação por HIV e mortes em decorrência dele basicamente são frutos de dois fatores: falta de diagnóstico e falta de acesso à medicação adequada (muitas das vezes, sendo o segundo fator consequência do primeiro).

O caso mencionado acima é um exemplo evidente e atual de como a inovação e a ampliação do acesso a tratamentos adequados vêm, juntas, revolucionando a medicina. Trinta e cinco anos atrás, quem diria que uma pessoa com HIV poderia viver uma vida com qualidade e longevidade, tendo apenas como rotina diária tomar alguns comprimidos? Tal qual a lenda grega de Perseu que, com inteligência, destreza e abordagem acertada, derrotou a temida e até então invencível Medusa, o binômio mencionado acima, embora não tenha chegado ao que podemos chamar de cura, foi capaz de trazer esperança, tranquilidade e expectativa de vida a quem recebe um resultado reagente para o vírus.

Outro “monstro” nada mitológico, que segue como enorme desafio, é o câncer e suas mais de cem variações. Segunda maior causa de mortes no Brasil, somente em 2025 são esperados mais de 700 mil novos casos em todo o país. E vivemos um paradoxo em relação a isso: quanto mais a ciência avança e nos permite aumentar a expectativa de vida da população, maior a prevalência de câncer. Até o momento, os mesmos esforços que nos ajudam a prolongar a vida na terceira idade ainda não são capazes de fazer com que os casos da doença entrem em declínio.

Além da idade mais avançada, que naturalmente nos torna mais suscetíveis a mutações genéticas que resultem em tumores, outros fatores comuns em nosso dia a dia são apontados como possíveis riscos oncogênicos: o consumo de agrotóxicos, a presença de corantes e outros aditivos nos alimentos, poluição ambiental, a disseminação silenciosa de determinados vírus, como o HPV ou das hepatites virais (B, C e, mais recentemente classificada neste rol, a do tipo D), entre outros. Infelizmente, nossa exposição a uma ou mais dessas variáveis é praticamente inevitável e, somada ao envelhecimento populacional, nos permite estimar que tenhamos uma escalada no número de casos de câncer na próxima década, de 2030.

A única forma que temos de reverter esse quadro é exatamente investindo na combinação de inovação e ampliação do acesso. Seja no tratamento, seja na prevenção. Uma técnica promissora, que deixou o meio científico bastante esperançoso e que pode representar uma revolução no combate ao câncer, é a vacina formulada com RNA mensageiro (mRNA). Sua tecnologia utiliza a molécula de mRNA envolta em partículas de gordura microscópicas para levar instruções às células e gerar uma resposta imunológica.

Curiosamente, o mecanismo foi empregado pela primeira vez de forma ampla muito recentemente: nas vacinas para controlar a pandemia de covid-19, em que o mundo teve que desenvolver, em tempo recorde, técnicas inovadoras (e seguras) para evitar uma tragédia ainda maior causada por aquele coronavírus. A nova abordagem vacinal começou a ser testada em outras frentes e se mostrou eficaz no combate a alguns tipos de câncer quando combinada com os atuais medicamentos imunoterápicos. Nos experimentos em camundongos, ela foi capaz de estimular o organismo a combater diferentes tipos de tumor, em muitos casos fazendo-os desaparecer por completo – incluindo os resistentes a tratamento.

A medicina vive de evoluções, mas, sobretudo, de revoluções. Assim foi com o desenvolvimento da primeira vacina, com o advento da anestesia, com a descoberta da penicilina; assim tem sido com os tratamentos antirretrovirais para o HIV e nas novas tecnologias que nos permitiram voltar à normalidade após a pandemia de covid-19. De cada um desses marcos, pudemos tirar diversos aprendizados que, universalizados, trouxeram mais saúde e qualidade de vida à Humanidade. Que o otimismo trazido pelos primeiros (e promissores) testes possa se converter em realidade brevemente e sacramentar a vacina de mRNA como ferramenta eficaz na luta contra o câncer, assim como a mitológica Harpe, a espada empunhada por Perseu, o fez na vitória sobre a Medusa. Que esses monstros, sejam mito ou realidade, estejam longe de nos assombrar mais no futuro.


*Carlos Gil Ferreira é oncologista torácico, pesquisador e presidente do Instituto Oncoclínicas.

Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Importante: A Medicina S/A usa cookies para personalizar conteúdo e anúncios, para melhorar sua experiência em nosso site. Ao continuar, você aceitará o uso. Veja nossa Política de Privacidade.