Segurança jurídica na assistência médica salva vidas e reduz litígios
Por Gustavo Clemente
Nos primeiros cinco meses de 2025, o Brasil registrou impressionantes 37.170 novos casos de falhas assistenciais na área da saúde. Esses incidentes resultam diretamente em danos morais ou materiais e estão entre os principais motores do crescente número de processos judiciais envolvendo o setor, que chegaram a 74.358 ações em 2024, um aumento de 506 % em relação a 2023, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Diante dessa realidade preocupante, é imprescindível adotar medidas jurídicas preventivas robustas, com participação ativa de advogados especializados em Direito Médico e da Saúde. A construção de protocolos assistenciais ricamente detalhados, combinados com orientação jurídica em todas as etapas, estabelece um padrão operacional seguro e confiável. Esses documentos devem expor com clareza cada etapa do atendimento, os resultados esperados, bem como os riscos e possíveis eventos adversos, assegurando que não haja surpresas no percurso assistencial, o que representa segurança tanto para os pacientes quanto para os profissionais.
Nesse contexto, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assume papel central. Ele formaliza, em linguagem acessível ao paciente, as informações sobre o procedimento, suas possibilidades de sucesso ou complicações, proporcionando transparência e empoderamento do paciente ao decidir com base em dados claros.
Paralelamente, o prontuário médico funciona como instrumento jurídico imprescindível: nele são registradas todas as intervenções e condutas da equipe assistencial, servindo como prova incontestável da trajetória clínica do paciente.
A colaboração entre equipes multidisciplinares assistenciais e a assessoria jurídica é igualmente essencial. O advogado especializado em Direito Médico aporta visão técnica e estratégica nas revisões e criação de protocolos internos, apontando eventuais brechas, sugerindo ajustes e promovendo uma cultura preventiva que orienta a prática diária dos profissionais. Isso permite não apenas a mitigação de riscos jurídicos, mas também a efetiva redução de eventos adversos, contribuindo para um ambiente mais seguro e confiável na prestação de serviços de saúde.
Outro aspecto crucial é a adoção de ferramentas de gestão como o ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act), amplamente usado em ambiente hospitalar. Essas práticas de gestão contínua permitem que protocolos sejam avaliados, executados, monitorados e aprimorados de forma sistemática, fortalecendo a cultura de segurança do paciente e a aderência às normas jurídicas.
A segurança do paciente no Brasil também se beneficia da acreditação hospitalar. A Organização Nacional de Acreditação (ONA), com dados baseados na Anvisa, associou a adoção de acreditações à redução significativa de falhas: queda de até 51 % em erros de medicação, 52 % em identificação de pacientes, 42 % nas infecções hospitalares, entre outros ganhos. Apesar de os números iniciais de falhas frequentemente aumentarem numa etapa de implementação – reflexo da subnotificação anterior, com trabalho sistemático, os casos tendem a cair e estabilizar.
Além disso, dados da ONA também indicam que, entre agosto de 2023 e julho de 2024, o Brasil contabilizou aproximadamente 396.629 falhas assistenciais, das quais resultaram 2.363 mortes. Muitas dessas tragédias poderiam ter sido evitadas com processos assistenciais mais estruturados e seguros. A OMS estima que globalmente mais de 80 % das falhas assistenciais poderiam ser prevenidas, reforçando a importância da prevenção jurídica e operacional desde o planejamento até a execução dos cuidados.
De forma integrada e preventiva, o advogado da saúde deve ser mais do que um consultor jurídico; deve participar diretamente do cotidiano de uma unidade de saúde, compreendendo gestão hospitalar, logística, fluxos assistenciais e comunicação interna. Essa vivência permite que ele fale a “mesma língua” dos profissionais de saúde e elabore estratégias jurídicas que se adequem à realidade operacional. Sua atuação é fundamental para identificar falhas nos protocolos, treinar equipes quanto ao cumprimento adequado de normas e documentações e garantir que cada etapa do atendimento esteja juridicamente respaldada.
Em resumo, com base no cenário brasileiro atual, marcado pelo alto número de falhas assistenciais, mortalidade evitável, e explosão de processos judiciais, a integração de protocolos detalhados, termos de consentimento transparentes, registros médicos completos e atuação jurídica especializada se revela absolutamente essencial. Essa atuação preventiva não só reduz riscos e litígios, mas fortalece a confiança entre profissional e paciente, eleva a qualidade dos serviços prestados e contribui para a construção de um sistema de saúde mais seguro e eficiente.
* Gustavo Clemente é sócio do Lara Martins Advogados e Presidente do Sindicato dos Hospitais do Estado de Goiás (SINDHOESG).